A polêmica inauguração da Stereo Vale em 1977

Quem não se recorda da Stereo Vale não é? Devo ter promovido ela nas redes sociais no mínimo uma centena de vezes, além das recomendações de quando ela ainda era viva. Mas vocês sabiam que sua instalação no município foi motivo de grande polêmica? Alguns se recordam, outros sequer souberam deste fato, como eu.


Paulo Ramalho me revelou este importante episódio. Paulinho Ramalho, como é conhecido, veio do Rio de Janeiro em 1976 dar início ao projeto Stereo Vale, que seria inaugurada no dia 27 de Julho de 1977, sim, aniversário de São José dos Campos.  Ele dirigiu a emissora até 1992, quando saiu para inaugurar a Transamérica na cidade.

Os equipamentos de recepção e ampliação de sinais de antenas de TV da Amplimatic sofriam uma série interferência das transmissões do FM, atrapalhando a programação televisiva local, que por este motivo o município quase que em uníssono foi contra a permanência da emissora. Mesmo com tanta pressão não teve jeito, o progresso da transmissão radiofônica precisava acontecer, a Amplimatic modificou o projeto dos boosters colocando um fim neste problema e mantendo a nossa primeira FM em seu devido lugar na história.

Abaixo veremos algumas matérias dos jornais da época. Vocês sentirão o tamanho do bafafá!


A moderníssima aparelhagem da Stereo Vale FM, em São José.



COM 20 QUILOS DE POTÊNCIA, ESTÁ NO AR A NOSSA FM!

A Stereo Vale Frequência Modulada alcança São Paulo dum lado e Barra Mansa, no Rio de outro.

A Stereo Vale FM, prefixo 862, frequência de 103,9 MHz e 20 Kw de potência estará em total funcionamento dentro de no máximo 1 mês. É a primeira estação de Frequência modulada a se instalar em São José dos Campos.
Localizada no último andar do edificio Liberal Center, equipada com moderníssima e sofisticada aparelhagem Rockweel – Colins, modelo 831 F-2, a emissora já está transmitindo experimentalmente cerca de 8 horas diárias de músicas nacionais e estrangeiras. Pertence ao grupo Sompur Radio-difusão Ltda., e tem licença do Dentel – Departamento Nacional de Telecomunicações.
Sua antena tem 11,45 metros de altura, instalada na cobertura do edifício e faz parte de um sistema irradiante unidirecional, isto é, transmite em todas as direções, com uma circularidade de mais ou menos 1,25 decibéis. A transmissão da emissora abrangerá uma área que vai de Barra Mansa no Estado do Rio de Janeiro, cobrindo o Vale do Paraíba e Campos do Jordão

NA PONTA DO EDIFÍCIO
Sua localização, no 15 andar do Liberal Center foi tecnicamente determinada através de estudos realizados pelo engenheiro Carlos Augusto Schermann e a instalação planejada pelo engenheiro João Eduardo Ferreira da Silva, da Rádio Eldorado (SP). O estúdio ocupa muito pouco espaço. Por enquanto a programação de músicas está sendo elaborada no Rio de Janeiro. Por isso, segundo o responsável, um dos operadores de áudio (a emissora contará com apenas 3 operadores), elas dificilmente obedecerão a uma mesma sequência. Dentro de 15 dias transmitirá não menos de 16 horas de programação.

TRABALHANDO COM COMPUTADOR
Em sua fase de implantação algumas interferências vinham sendo registradas em rádios e aparelhos de TV de São José dos Campos que tinham adaptados “boosters” da Amplimatic, uma espécie de reforçadores. Em contato com a firma, um reajuste foi feito de forma que não há mais interferência e não haverá quando a emissora estiver em pleno funcionamento. Computadores determinam uma atividade anormal se houver problemas na mesa de operações. O acervo de fitas é, em sua maioria, de músicas brasileiras.
“Considero uma excelente iniciativa”. Revela o engenheiro encarregado João Batista Carvalho Filho, responsável pela manutenção.
31/07/1977




NÃO HÁ NADA DEMAIS NA INSTALAÇÃO DE UM FM

A instalação de FM é matéria regulada por órgão estadual: o DENTEL.

As celeumas surgidas, veiculadas por órgãos de imprensa trazem duvidas aos leitores.

Nada temos contra essa ou aquela firma. Aliás, não se deve e nem se pode dar combate a concorrentes. Todas as emissoras de rádio, televisão, radiofusão, correios e telégrafos, de mais meios de comunicação, são fiscalizadas pelo Ministério das Comunicações (Euclides Quandt de Oliveira). Houve, de fato, uma declaração infeliz de um dos engenheiros e técnicos da firma que instalará seus serviços para atuar.

As dúvidas dos leitores não são até certo ponto difíceis de serem esclarecidas. É preciso que a firma venha a público dar novas luzes sobre o clima que se criou de expectativa e de atenção a que ficou reduzido outro grupo que talvez não tivesse a intenção premeditada de produzir os debates suscitados, tampouco provocando atritos.

Nossa conduta toda a vida foi aplaudir, ao contrário de outros órgãos, os novos concorrentes no plano em que militamos no setor de comunicações aqueles que pretendem contribuir para melhorar o nosso padrão de radiofusão.

Tanto faz que seja esta ou outra emissora. Se ela e devidamente legalizada, estando em dia com seus papeis e deverá entrar em funcionamento, nada há que impeça o trabalho daqueles que desejam. acima de mais nada, dar alguma contribuição A nossa radiofonia.

Tempos atrás esteve em nossa redação um alto representante do Grupo Associados de Jornais e Revistas (Grupo Tupan de Rádio.- atualmente transferido para outro grupo informativo) que iria estabelecer um convênio informativo, tendo nosso jornal como prova de que poderia haver livre concorrência sem nenhuma forma que por ventura viesse e prejudicar esse ou aquele.

Como não nos interessava naquele momento entrar em negociações (nitidamente comerciais) mas de amplo caráter de utilidade pública, ficamos decididos a que responderíamos em outra oportunidade sobre o assunto.

É muito comum, fazendo parte da vida comercial, dos interesses de uns e de outros principalmente, quando toca no interesse público, haver polemicas. As emissoras locais prestam inestimáveis serviços. Disto ninguém ousa contestar. Que venham então tantas quantas emissoras, repetidoras de TV, outros afins no sistema de comunicação, pois o campo e vastíssimo.

Criar um clima de discordância a nada conduz. Não entendemos: quando se pretendeu instalar o UHF em São José no caso das repetidoras e das torres de TV, não houve quem contestasse.

Infelizmente as coisas andam como carro adiante dos bois.

Naquela época temia-se desagradar essa ou aquela autoridade.

Todo mundo (embora oficiosamente contestasse) dava sua opinião favorável, com receio de amanhã desagradar ou então ficar mal com os interessados.

A hora é inoportuna para não se aprovar o FM, isto e, desde que ele esteja com toda a sua documentação ordenada. sem os resquícios de legalidade, ou sem mais contratempos.

É chegada a hora de apoiar a aqueles que querem contribuir com o processo natural de se projetar a difusão no caso a radiofusão joseense, assim como aos que pretendem renovar mentalidades, unindo os objetivos comuns. O Brasil é feito por todos nós.

Há possibilidade de todos nós militarmos, cada um no seu campo de atividade com as perfomances de seu trabalho diuturno. No campo da imprensa, do rádio e da TV, notadamente no setor militados pelos jornalistas e radialistas, não se deve cercear atividades pois, se assim se pretende estará contrário ao pensamento de Rui Barbosa, o qual infelizmente e esquecido com facilidade: Sem liberdade de imprensa ou de informação todas as demais liberdades se desmoronam.

Diário de São José dos Campos – 06/08/1977




ATÉ AS RÁDIOS ENTRARAM NA BRIGA CONTRA A FM

Uma declaração do diretor da Stereo Vale irritou a Rádio Clube e a Piratininga

São José está muito bem servida de jornais, mas o mesmo não acontece com as emissoras de radio”. Por causa dessa declaração o engenheiro João Batista Carvalho responsável pela Stereo-Vale FM, desagradou muito Boueri Neto, diretor artístico da Rádio Clube e Antônio Leite, gerente da Radio Piratininga.

Sobre as palavras de João Batista Carvalho, os dois falaram ao AGORA criticando antes de tudo o sentido anti-etico da atitude do engenheiro, Boueri disse:

– “Nas palavras do senhor João Batista de Carvalho há um evidente propósito comercial. Ele deve ter sentido dificuldades na praça e viu nisso uma maneira de faturar. Entretanto, eu não reconheço a autoridade dele como radialista porque nunca ouvi dizer que ele fosse homem de rádio. Aliás, ando mesmo duvidando até de sua capacidade como engenheiro diante do número de reclamações de pessoas que não conseguem mais ver televisão por causa da interferência das ondas de FM. Ele elogiou os jornais pretendendo fazer média. Quanto as rádios eu acho a atitude desse engenheiro anti-ética. No dia do aniversário da cidade nós saudamos a nova emissora, mandamos flores e recebemos pedras. Eu acho que ele não deve ter nenhum receio de nós, porque fazemos rádio para o povo e a dele como FM vai se dirigir a elite.”

Antônio Leite, gerente da Rádio Piratininga se mostrou ofendido com as palavras do engenheiro João Batista Carvalho Filho. Eis suas declarações:

– “O engenheiro João Batista atacou duas rádios que vêm servindo a cidade há muito tempo com uma folha de serviço que mostra a utilidade pública dessas duas emissoras. Eu falo como gerente de rádio e como jornalista. A cidade não está mal servida de emissoras de rádio; quem está prestando um desserviço a cidade é a Stereo-Vale FM que interfere nos aparelhos de televisão desagradando os moradores. Eu me senti ofendido com as declarações desse engenheiro porque venho trabalhando há dez anos para dar uma programação digna aos ouvintes e prestar serviços à cidade”.

Jornal AGORA – 04/08/1977


ENGENHEIRO EXPLICA PORQUE FM LOCAL PODERÁ PREJUDICAR TV

Se em São José dos Campos se instalar uma emissora de rádio FM (frequência modulada) com a potência de 20 kw, a população irá ficar sem televisão, pois a transmissão irá saturar todos os “boosters”, isto é, amplificadores de TV, normalmente utilizados em todas as antenas para receber os já fracos sinais de VHF dos canais de televisão de São Paulo, localizados há 100 quilômetros de São José. A afirmação, uma espécie de alerta, foi dada pelo engenheiro elétrico Augustin Woelz diretor da Fábrica Nacional de Semicondutores Amplimatic localizada no km 307 da Via Dutra.

– Em São José, a imagem vai desaparecer dos televisores, semelhante como já aconteceu quando, em caráter experimental, entrou no ar canal 3 da estação de TV local e que imediatamente foi retirada em consequência de falhas idênticas. Com o FM vai acontecer a mesma coisa, pois o sinal irradiado aqui e 100 vezes mais forte que o sinal captado de São Paulo.

O engenheiro explicou que inclusive, todos os edifícios de São José dos Campos também terão problemas com suas antenas coletivas que foram instaladas pela Amplimatic. “Além disso com é possível a instalação de uma emissora de FM em São José, a cidade também não receberá sinais de FM de estações de São Paulo. Não será possível ter, evidente, aparelho FM em casa”. Afirmou.

– São José continuará a receber, apenas normalmente, a transmissão UHF que não ser afetada em hipótese alguma. Acontece que a antena instalada num pico de morro, em Santana por diversas circunstâncias, se utiliza do VHF, que transfere diversas vezes para o UHF o que acabará por desequilibrar qualquer transmissão de TV. Ninguém poderá ter regularmente os sinais nos televisores.

Augustin formou-se em engenharia eletrônica na Universidade de Munique, e brasileiro naturalizado e há dez anos mora em São José, conhecendo profundamente tudo o que se relaciona a eletrônica. Como única solução para esta situação ele aponta uma iniciativa categórica: em São José dos Campos não se pode instalar uma estação de FM como se cogita. Um FM local não pode entrar no ar diante disso. Só se instalar-se uma antena num pico bem elevado como o pico do Itapeva, em Campos do Jordão. O que talvez seja inviável economicamente e também tecnicamente, pois outros sinais de FM tais como de Campinas entrarão no ar, em detrimento do local.




EDITORIAL – SEM SOLUÇÃO

Somos homens de Imprensa, propriamente dita, a que dispensa o pleonasmo “Imprensa escrita”. Por isso, são apenas incipientes e Superficiais os conhecimentos técnicos que possuímos sobre emissão de sinais de televisão ou de rádio em frequência modulada. Com essa deficiência previamente confessada, sujeitando-nos a erros, queremos tentar alguns raciocínios sobre o assunto que hoje ocupa a atenção de boa parte dos joseenses: a forte interferência da nova emissora de rádio da cidade, a Stereo Vale, em FM. na recepção das imagens de quase todos os canais de televisão. principalmente aquelas captadas em VHF mas também prejudicando os sinais em UHF.

De um lado, é preciso reconhecer que a televisão tornou-se o lazer número um da maioria dos brasileiros. Há pessoas que, impedidas de verem a sua telenovela de preferência, tem o dia por inteiramente perdido, mais do que se o tivessem passado inteirinho, sem qualquer alimento.

De outro lado, sabemos que o futuro do rádio é a frequência modulada, pela qualidade de som infinitamente superior. Nos países mais adiantados, como os Estados Unidos por exemplo, só se liga um receptor de rádio para ouvir transmissão em FM e em estéreo. Portanto, a rádio Stereo Vale, que acaba de se instalar na cidade, não pode ser tida como como uma aberração, nem como um absurdo, pois é uma límpida expressão de progresso. Um dia, certamente um pouco distante, em que os receptores de rádio em FM forem bastante populares e puderem ser encontrados com a mesma facilidade dos radinhos de pilha em AM de hoje, o brasileiro estará como o norte-americano: só ligando rádio para ouvir FM estéreo.

Assim, em princípio, razão assiste a ambas as partes: ao grande público da televisão, que está sofrendo irritante interferência em seus televisores, mas também à rádio Stereo Vale, que vem introduzir em São José dos Campos a moderna transmissão em frequência modulada.

Como solucionar? O competente diretor da empresa Amplimatic declarou ao AGORA que a rádio deveria reduzir a sua potência. Convenhamos, toda rádio quer ter mais potência do que tem, quer chegar mais longe com seu som: não é plausível pedir-lhe o contrário, que diminua a potência que obteve. Uma outra opção, supomos, seria reforçar os sinais de televisão em UHF, torna-los mais fortes e mais nítidos, menos infensos a interferências. Isso pelo que sabemos, pode ser feito, com a instalação de links” que reforcem os sinais, a meio caminho entre São Paulo (fonte emissora) e São José (receptora e repetidora).

O que mais nos intriga, a nós que somos leigos em assuntos de difusão de ondas de rádio e de TV, e que os organismos oficiais Contel e Dentel. autorizem o funcionamento de emissoras que, num estudo técnico, já seria possível prever que prejudicariam as imagens de televisão. Nesse sentido, culpa também não cabe à Stereo Vale. Mas será que o Contel e o Dentel já não poderiam saber, previamente, que a potência de 20 quilowatts, que autorizaram. iria arrasar com a recepção de televisão em São José dos Campos? As concessões não são precedidas de um estudo de viabilidade técnica?

Com todas essas indagações, com todas essas dúvidas, com todos esses problemas, cá estamos nós, os joseenses, sem saber o que fazer, não podendo crucificar quem trouxe à cidade uma rádio moderna e de alto padrão, mas também não podendo renunciar ao direito de ver programas na televisão.

Se fosse o poeta Manuel Bandeira consultado, talvez propusesse como solução da falta de solução: “a única coisa a fazer é tocar um tango argentino”.

Jornal Agora – 04/08/1977




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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente


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