Nenê Cursino (1906-1975)

Nenê Cursino, assim era chamado o paraibunense José Antônio Cursino, nascido em 16 de outubro de 1906, filho de José Antônio Cursino e Escolástica Cursino. Nenê foi o responsável pela mudança comportamental da imprensa local e regional. Em uma época em que os comunicadores eram, por uma questão de bem viver, atrelados e submissos aos interesses dos grupos políticos dominantes, com alguns se auto-outorgando cargos honoríficos de capitão, major e coronel por vaidade e para impressionar. Inclusive, mandando confeccionar fardamentos que usavam em festejos e solenidades.

Entre os habitantes de São José que conheci ao chegar, em 1935, o que me causou maior surpresa foi Nenê Cursino que tocava uma tipografia no coração da rua Quinze, conseguindo tirar de três ou quatro máquinas manuais impressos primorosos, com a ajuda de meia dúzia de rapazes mais amigos do que empregados aos quais semanalmente fornecia determinada quantia”, relata o advogado Altino Bondesan.

Nenê Cursino aos 27 anos de idade.

Pelo que sei Nenê aprendeu tipografia com Sílvio Guisão, um sargento reformado da Polícia Militar do Estado de São Paulo que mantinha o jornal A Liberdade. E, por circunstâncias políticas, se transferiu para Taubaté onde passou a publicar o jornal O Popular até o fim dos seus dias. Está sepultado no cemitério da Ordem Terceira, em Taubaté.

De Guisão, juntamente com Ladislau Faria, comprou a tipografia que incluía uma sucata que eram umas Minervas tocadas a mão, embora se dissesse: jornal A Liberdade, movido a eletricidade. Estava montada a sociedade Faria & Cursino que depois se individualizou para JAC (José Antônio Cursino).

Conheci pessoalmente Sílvio Guisão: alguém muito curioso na maneira de escrever. Quando do falecimento da mulher do bicicleteiro da rua Quinze publicou: “via-se sobre o caixão mortuário numerosas coroas de flores e todas as irmandades religiosas da cidade.” Quando nasceu o filho do tesoureiro da Câmara Municipal: “o pequenino féretro chamava-se Antônio.” Outras: “dá-se dinheiro a júri, vende-se uma cabra com cria e outra que está querendo.” E por aí ia o nosso querido Guisão um mulato vindo de São Paulo.
Já Nenê Cursino era possuidor de grande força de vontade, um idealista que não havia estudado mas que apreciava os dotados de qualidades intelectuais e os atraía ao seu convívio na rua Quinze.

Levar avante o negócio era ato de heroísmo. Mas, Nenê, além de tipógrafo, foi jornalista, publicando o semanário Norte Esportivo, depois Folha Esportiva e ainda São José dos Campos e Diário de São José por décadas. Além do jornal sério Nenê achava tempo para produzir suplementos humorísticos como A Sogra e outros. Conhecia a profissão como poucos, idealizava uma cidade progressista. Mas como sustentar esse posicionamento se a política na terra de João Tuca vivia fervendo, mormente no que tangia ao governo estadual. Aqui brigavam as facções e Nenê pendia pela ala chefiada por Rui Dória e Arnaldo Cerdeira opositores à Donato Mascrenhas (donatistas).

Além da tipografia, Nenê era apaixonado por futebol, jogou até ser avô, sempre de maneira leal e com amor a camisa. Foi campeão do interior pelo Esporte Clube Elvira, de Jacareí, ao lado de Carlos Belmiro dos Santos, de Santana. Pelo esporte preferido defendeu as cores de São José dos Campos, Jacareí e Paraibuna.

Causando admiração como Nenê Cursino encontrava tempo para tantas atividades, principalmente tendo que viajar constantemente à São Paulo onde se abastecia de papel e demais materiais junto ao T. Janer, ao Arthur e outros fornecedores.

Sempre dedicado aos amigos, era seguidor do, por quatro vezes prefeito, Elmano Ferreira Veloso. No famoso episódio da Fazenda São Jerônimo, Veloso esteve a pique de um impeachement por parte da Câmara. Nenê arregaçou as mangas, alinhou defensores entre eles o presidente da Câmara Jorge Zarzur e o líder Sebastião Pontes conseguindo que nada ficasse resolvido e, graças ao voto de Minerva de presidente, tudo tornou a estaca zero.

Ao rememorar as lutas de Nenê Cursino, acho que somente por milagre conseguia sair vitorioso. Quando o prédio de sua tipografia teve que ser demolido Nenê conseguiu adquirir uma área junto ao cemitério, ali ergueu seu barracão com instalações modernas, tudo eletrificado.

Passou a morar na Vila Maria que o homenageia com a praça Nenê Cursino. O Residencial Planalto com uma rua, jornalista José Antônio Cursino. Sua capacidade de fazer amigos era imensa. Dele me aproximei nos anos trinta, lhe ofereci minha colaboração e amizade até o último dia de sua fecunda existência.

A vida de Nenê Cursino sugere que se escreva um livro. São José dos Campos me reservou muitas surpresas, nenhuma tão meritória quanto a de Nenê Cursino, o tipógrafo, o normalista, o esportista, o imenso coração que ele foi.”

O jornalista Rui Laerte Santos Gomide que conheceu muito bem Nenê Cursino descreve: “ele veio com os pais para São José, em 1907. À época uma façanha de louco”.

Esta foto refere-se a uma restruturação feita no Diário propriedade do saudoso Nenê Cursino. Naquela data era reinauguração. O jornaleiro era eu, entregava a edição do dia nas mãos de José Marcondes Pereira, prefeito de então.” Por José Carvalho, publicado no grupo SJC Antigamente em 19 de abril de 2018.

Nos idos de 1924, sempre guiado pelo espírito de aventura, trabalhava em São José que tinha mais ou menos 12 mil habitantes contando o Buquira Grande, atualmente Monteiro Lobato. Aqui conheceu Ladislau Faria, pai de Pedro Faria, sogro do Alcino, primeiro linotipista do jornal Vale Paraibano.

Nenê e Ladislau fundaram o hebdomadário Norte Esportiva, depois Folha Esportiva, incentivados por Sílvio Guizão. Em 1927, assumiu a redação da Folha Esportiva Odemar Gomide Santos, também chefe da secretaria da Câmara Municipal. Embora com o nome esportivo o jornal abordava todos os assuntos.

São José dos Campos era considerada estância climática: com muitos sanatórios e pensões para tratamento de moléstias pulmonares, inclusive a tuberculose, recebia verba especial do governo do Estado. Nomes famosos vieram tratar da saúde como escritor Paulo Setúbal (aqui escreveu o célebre Confiteor), a pintora Djanira, Vicentina Aranha. Ivan de Souza Lopes o pioneiro da vacina BCG (Bacilo de Calmette e Guérindose, que protege contra formas graves da tuberculose) morou e clinicou em São José, escrevia para a Folha Esportiva assim como João Batista de Souza Soares um médico infectologista que residiu na rua XV de Novembro.

A função de Nenê Cursino na Folha Esportiva era a mais difícil, arrecadar, através de publicidade, o dinheiro para a sobrevivência do semanário que se tornava complicada, graças ao posicionamento do jornal contrário aos interesses dominantes que controlavam a própria prefeitura através das apadrinhadas nomeações e verbas. Tendo como porta-voz o Correio Joseense, fundado em 1920, dirigido por Napoleão Monteiro, primo do cel. José Monteiro.

Foram tempos duros para Nenê Cursino, por sugestão de Gomide Santos foi desfraldada a bandeira da autonomia política e administrativa de São José dos Campos. O movimento teve a adesão de outras cidades da região. Em São José, havia um grupo contrário à emancipação que incluía o dr. Nelson d’Ávila, Alcides Rodrigues, Felisbino Franco Rodrigues, Alípio Viana, Donato Mascarenhas, Aldemo Veneziani, cuja esposa d. Nica era favorável ao movimento. Como não poderia deixar de ser Correio e Folha Esportiva viviam uma rivalidade danada. Com o primeiro recebendo gordos numerários pelas publicações oficiais, Prefeitura e Câmara.

Com a continuidade da situação, Nenê Cursino viu-se impossibilitado de publicar a Folha Esportiva. Mas, o seu espírito combativo o impeliu. Incentivado principalmente por Gomide, Altino Bondesan, Sady Libânio da Silva, Ismael Neves, Saturnino Moreira Dias dos Santos, Flamínio B. Leme e outros fundou “O São José dos Campos”, um jornal continuador da Folha, no mesmo local, à rua o Quinze de Novembro, esquina com Sebastião Hummel. O empreendimento teve grande participação do advogado e poeta carioca Oswaldo Ferreira Gandra na parte intelectual e financeira. Gandra chegou tuberculoso, residia à rua Major Antônio Domingues, em frente ao sanatório Maria Imaculada, dirigido pela saudosa Madre Teresa de Jesus Eucarístico.

A bandeira Autonomista continuava a tremular e Nenê empolgava a população através do jornal com escritos de Gomide Santos, Gandra, Ismael Neves, Tertuliano Delfin Júnior e dos médicos Nelson d’Ávila e João Batista de Souza Soares a princípio contrários ao movimento.

O processo de adesão foi caudaloso, pela pobreza reinante, os empregos, principalmente os públicos, eram disputados a tapas. Aderir à Autonomia podia significar a morte por inanição. O desfecho somente veio em 1957, emancipada São José dos Campos elegeu Elmano Ferreira Veloso prefeito municipal.

Pelo temperamento e posicionamentos era comum Nenê atravessar dificuldades financeiras. Mas, não desanimava, no futebol encontrava uma válvula de escape. Foi um excelente jogador pela meia esquerda, quase se profissionalizando, segundo os anais da Associação Esportiva São José.

Nenê Cursino expandiu sua atuação como comunicador se integrando ao serviço de alto-falante, à rua Quinze de Novembro, onde existia um similar o PL1 (Paulo Lebrão Primeiro), dirigido por Nacim Aniz Mimessi. O de Nenê denominou-se Serviço de Auto Falante JAC (José Antônio Cursino), com cornetas instaladas nos altos do prédio de propriedade de Riskala (Rosalah) José Neme tio materno da poetisa Helena Calil.

O serviço de alto-falante: nos fins de semana a partir das 19 horas, iniciava com Moon Light Seranade, de Green Muller, finalizava com o Hino Nacional às 22 horas. Alguns locutores do JAC, Paulo Roberto Pereira, Dárcio Neto, Zélia Terezinha Lopes e Benedito Marcondes.

Visando dinamizar a imprensa, Nenê Cursino tentou circular um jornal diário que chamou Diário de São José dos Campos. Mas, as forças que o haviam prejudicado no passado voltaram a se manifestar, talvez com maior intensidade impedindo a realização do ideal. Mesmo assim, o jornal circulou com diário somente no nome, graças ao apoio de Tertuliano Delfim Júnior (Tuta), promotor público à época. O Diário tinha uma linha de independência, mesmo recebendo uma verba da Câmara Municipal para a publicação dos editais que também vinham dos cartórios.

Na época, o prefeito Marcondes preferiu prestigiar Napoleão Monteiro e o Diário de São José acabou novamente, além de preterido, perseguido. Foi quando Nenê Cursino, também por outros motivos, mudou o endereço do jornal para a rua Paul Harris onde militou até seu falecimento, em 1975.

Fotos do do Esporte Clube São José com Nenê Cursino presente

EM LETRAS GRANDES

Helena Calil, professora, poetisa, pintora declara: “Nenê foi o precursor da moderna comunicação joseense em todos os sentidos. Além dos jornais Folha Esportiva, São José dos Campos e Diário de São José dos Campos também funcionou com um serviço de alto-falante, a nossa “rádio” na época. Ali, na rua Quinze, onde acontecia o footing com as moças subindo e descendo, do Banco do Comércio até a Associação Esportiva. Os rapazes mandavam recados pelos alto-falantes às tímidas moçoilas do tipo: moço simpático manda um abraço para a moça loira de saia vermelha. Fazia a alegria do povo e também dos comerciantes quando anunciava os produtos das várias lojas da rua Sete de Setembro, Siqueira Campos, Mercado Municipal… Quando tocava a Ave Maria era sinal que algum ente querido havia falecido. O grande e solidário Nenê Cursino é história de São José como comunicador revolucionário e, antes de tudo, ser humano competente e humilde.”

A família

Nenê Cursino foi casado em primeiras núpcias com a joseense Bernardina Cursino, uma senhora afável, proprietária de uma pensão, no mesmo prédio do Diário. Com ela Nenê teve quatro filhos, Wilson (falecido), Newton (falecido), Maria Izabel residente em Castro, PR, e Maria das Dores em Campo Grande, MT.

Santa Ribeiro Cursino foi a segunda esposa, mãe de Maria Angélica Cursino Sato casada com o engenheiro Mario Sato, José Antônio Ribeiro Cursino casado com Irani, Sônia Cursino Israel casada com o jornalista Avelino Israel, José Cristóvão Ribeiro Cursino casado com Neusa Dallarosa dos Santos Cursino, José Henrique Ribeiro Cursino casado com Miriam, Cristina Cursino César casada com funcionário municipal Rodolfo César e Denise Cursino que foi casada com dr. Ariovaldo Camilo Cerqueira.

Dois filhos de Nenê Cursino continuam na JAC Editora: José Antônio e Cristóvão. Cristina Cursino César é renomada artista plástica. Newton Cursino, filho do primeiro casamento foi professor e jornalista. Henrique também está no ramo gráfico.

Passagens curiosas

Na campanha para vereador: quando de um comício na Vila Maria, o locutor e cantor Reizinho contratado por Nenê arrumou algumas grávidas como cabos eleitorais. No final do comício elas gritavam: “queremos nenê, queremos nenê!

O coração de Nenê era fabuloso: certa feita verificou que uns boêmios da Vila Maria pediam cachaça nos botecos. Sensibilizado, e mesmo tendo que pagar os salários de seus funcionários, ficou condoído com a situação dos paus dágua. Com o dinheiro que tinha deu de beber a todos eles, uns vinte. Como resultado, teve que pedir um crédito a Ismael Pestana, dono do bar Baia também chalé de jogo de bicho. O mais interessante que, na contra partida, nenhum dos ébrios votou em Nenê e no dia da eleição deu urso na cabeça.

Nenê todas as tardes costumava frequentar o bar do Dimas, em frente ao cemitério central, sempre procurava ser agradável desejando angariar votos. Naquele dia, brindou o Dimas e iniciou o discurso: meu querido Dimas… Nesse momento adentrou João de Brito um bebum habitual que completou: o bom ladrão! Os fregueses se mandaram e Dimas revoltado fechou o bar.
por Rui Laerte Gomide Santos

Texto por Ricardo Faria, jornal Vale a Pena, setembro de 2000 (fariaricardo493@gmail.com)

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One comentário em “Nenê Cursino (1906-1975)

  1. Historia muito interessante.
    Não sabia que dle havia nascido em Parahybuna SP.
    Pessoa criativa e trabalhadora numa época de desenvolvimento Paulista.
    Gostei de ler sobre a biografia de Nenê Cursino

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