Nos braços do povo

Fui testemunha de dois momentos singulares na vida do Dr. Dória. Um de impopularidade e outro de popularidade. Morando na rua 7 de setembro e frequentando o quarto ano do Curso Primário no Grupo Escolar Prof. Flávio Berling (antiga Escola do Padre José Fortunato da Silva Ramos), em 24 de agosto de 1954 fomos liberados da escola em virtude do suicídio do presidente Getúlio Vargas.

Durante a tarde, emocionado gravei com meu pequeno canivete o nome Getúlio Vargas e a data numa árvore do Jardim do Sapo. No começo da noite, no entanto, vi pessoas acorrendo à Praça Afonso Pena, que estava em obras. Corri para lá para saber o que estava acontecendo. Vi pessoas com pedras na mão jogando numa bela residência, que sabia ser do Dr. Ruy Rodrigues Dória. Via a polícia chegar e tentar acalmar a multidão. Mas vidraças foram quebradas. A população estava enfurecida.

Mais tarde fiquei sabendo que dias antes houvera um enterro simbólico do presidente Getúlio Vargas promovido pela UDN (União Democrática Nacional), partido do Dr. Dória. E houve até um entrevero com o vereador Benedito Matarazzo Filho do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), partido do Getúlio. Mesmo sendo criança e emocionado pelo suicídio de Vargas, a tudo assisti passivamente. Não via razão para tanta violência contra um médico humanitário, que me atendera quando tive pneumonia.

Tempos depois, já adolescente, soube que levaram para o consultório do Dr. Dória na Avenida Floriano Peixoto uma mulher que praticou aborto com uma curiosa e sangrava gravemente. Ele não se omitiu, mas a paciente acabou em óbito. O Delegado de Polícia era o famigerado Ivair de Freitas Garcia que, entre outras coisas, era acusado de ter matado um operário da Rhodosá de Rayon afogado no Rio Paraíba. O delegado Ivair era inimigo do Dr. Dória e o prendeu, causando enorme consternação na cidade. Somente com decisão do Juiz de Direito e o pagamento de fiança o Dr. Dória ficou livre. Mas respondeu a júri popular.

Por ser menor de idade tive de acompanhar o julgamento do lado de fora do Fórum. Quando saiu o veredicto de absolvição por unanimidade, vi o Dr. Dória saindo do Fórum nos braços da população, que o levou até a sua casa, lá o deixando sob aplausos. Não consegui deixar de derramar lágrimas pelo que assisti. Ali estava um instante de redenção de toda uma cidade pelo que havia acontecido em 1954 com a família do Dr. Dória.

Luiz Paulo Costa – Jornalista

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