Quando deixei para trás o campo de concentração da Base Aérea de Itapema e o navio-prisão Raul Soares, em Santos, e o Deops na Praça General Osório, em São Paulo, aplaquei minha revolta pela prisão política com a razão e a música.
Em 1964, refletindo os governos Juscelino Kubitschek e João Goulart, mesmo após o golpe civil-militar, vivia-se intensa revolução cultural no cinema, no teatro, na música e nas artes em geral. Era tempo da bossa nova, de cinema novo, do teatro novo. Com um violão na mão e a bossa nova na cabeça saímos por São José dos Campos com o Quatá, Dico, Vani, Choppard, Haroldo, Vicente, Zé Roberto e outros revivendo as serenatas de rua e as reuniões intimistas da bossa nova em casas amigas do Armando Cobra, do Paulo Pires, do Dílson Lara, do Dr. Toledo.
Recomeçando a vida profissional como redator de noticiário na Rádio Piratininga, tive a oportunidade de idealizar e apresentar um programa musical que difundia a bossa nova. Daí a razão de ter organizado o primeiro encontro de bossa nova de São José para a UJES (União Joseense dos Estudantes), no salão de dança do Tênis Clube, com enorme sucesso.
O maestro Sérgio Weiss, criador do Biriba Boys, já tinha renome nacional, gravando, inclusive, o Ho-Ba-Lá-Lá de João Gilberto. A cidade, no entanto, desconhecia os seus novos valores. O Luiz Antônio, que acabou crooner do Biriba Boys e foi sucesso até a sua morte na França. O Vani Carvalho de Almeida, que já integrava conjuntos de ritmos. O Paulo Eduardo de Souza, o nosso Paulinho da Viola da época, Luiz Antônio Torres (Quatá), Alfredo Pereira Neto (Dico), Eriberto, Zezé, Élbio, Maria Inês Corrêa, Vicente Almeida e tantos outros talentos da bossa nova joseense.
Depois vieram as apresentações dos grandes nomes da música brasileira moderna como Elis Regina, Pedrinho Mattar Trio, Claudete Soares e Jongo Trio, no Cine Palácio, no “Eco-Samba”, organizado por José Arnaldo Simão, do Diretório Acadêmico “Campos Salles” dos alunos da Faculdade de Economia da Fundação Valeparaibana de Ensino. Com o Conselho Municipal de Cultura e as Semanas de Arte e Cultura e “Cassiano Ricardo”, os eventos musicais se multiplicaram. Até o Quarteto Novo de Hermeto Paschoal, Heraldo do Monte, Théo de Barros e Airto Moreira se reencontrou para uma última apresentação no Tênis Clube, articulada por Luiz Erasmo de Moreira, da Comissão de Música do Conselho Municipal de Cultura.
Tudo culminou com o Primeiro Festival de Música Popular Brasileira de São José dos Campos, o “Sabiá de Ouro”, em 1969. Ali, puderam pontificar as revelações do encontro de bossa nova do Tênis Clube, de 1965, como Vani Carvalho de Almeida e Paulo Eduardo de Souza, músicos e compositores talentosos. Assim como Jota Moraes (músico e arranjador do Biriba Boys) e Roberto Wagner de Almeida (advogado, jornalista e poeta), a dupla de compositores vitoriosos do “Sabiá de Ouro” de 1969/70. E Luiz Antônio dando um show de interpretação para suas músicas vencedoras. O “Sabiá de Ouro” foi também uma porta aberta para compositores populares como Sebastião Antônio da Silva, o Tião Silva, operário da Tecelagem Parahyba e autor de memoráveis sambas-enredos e centenas de outras composições.
O sucesso do primeiro “Sabiá de Ouro” foi tão grande que, mesmo com o processo de extinção do Conselho Municipal de Cultura, determinado pela implantação da Doutrina de Segurança Nacional pelo prefeito nomeado Sérgio Sobral de Oliveira, o mesmo garantiu a realização do segundo “Sabiá de Ouro”, em 1970, nos estertores do movimento cultural joseense. A política de recreação e lazer ia tomar conta da cidade, prenunciando o posterior marasmo cultural que permaneceu durante muitos anos.
Retomado o movimento cultural em São José, por meio da mobilização contra o marasmo e a implantação da Fundação Cultural “Cassiano Ricardo”, e, agora, com a criação da Orquestra Popular Sinfônica, penso que é chegado o momento do terceiro “Sabiá de Ouro”. As condições estão dadas. Basta apenas a decisão de política cultural e o ano 2000 tem tudo para se transformar no marco de uma nova época para a música popular brasileira com a participação dos talentos musicais joseenses. (1999)
Luiz Paulo Costa – Jornalista