De leite e leiteiros

Na casa do Dr. Santos, nos recebiam com docinhos, pedaços de bolos e cafezinho por cima do muro. Nas casas do Armando Cobra e do Paulo Pires sempre sobrava um whisky ou coisa do gênero. Os finais de serenata geralmente aconteciam na casa do Armando Cobra na rua Luiz Jacinto. Aproveitávamos para passar pela padaria da esquina da Major Antônio Domingues com Humaitá, que sempre abria muito cedo, para beber um leite gelado e cortar o efeito das bebidas.

Uma bela madrugada, ao voltar da serenata, na expectativa do leite gelado, deparamos com a padaria fechada. Ou a seresta acabou mais cedo ou a padaria ia abrir mais tarde. Mas, descendo pela rua Humaitá deparei numa janela com um vidrão de leite deixado pelo leiteiro cuja carroça já seguia bem à frente. Não tive dúvidas, passei a mão na garrafa e quando ia saindo a janela abre-se e uma senhora cheia de bobs no cabelo aparece esfregando os olhos. Mecanicamente devolvi o litro de leite ao parapeito da janela, gritando: “Leiteirooo!” Só muito longe olhei para trás e ainda vi a senhora olhando em nossa direção talvez espantada pelo novo leiteiro de violão nas costas…

Outra vez, a serenata era para as filhas do Dr. Euclides Fróes. Na janela do alto da bela casa, em estilo suíço da rua Francisco Paes, a luz já havia se acendido numa demonstração de que estávamos sendo ouvidos. Não é que aparece e pára de bicicleta um guarda noturno perguntando: “Vocês tem ordem do Delegado de Polícia para fazer serenata?!” Corria o ano de 1965, em plena ditadura militar. Dico irmão do prefeito socialista José Marcondes Pereira. Eu subversivo egresso do Navio-Prisão Raul Soares. Pensei: – Vamos parar todos na cadeia.

Enquanto alguns continuavam com a serenata outros conversavam com o guarda noturno tentando explicar que não era necessária a autorização do Delegado de Polícia. Porque a casa era do conhecido médico Euclides Fróes, que estava sabendo de tudo, tanto que a luz da janela do alto já tinha se acendido.

O guarda noturno ainda resistiu um pouco mas devido à insistência aquiesceu: “Tudo bem, podem continuar! Mas esperem aqui que eu vou lá em casa pegar o meu pandeiro porque eu quero participar também!” Se ele voltou com o pandeiro ou com a polícia não ficamos sabendo porque resolvemos dar por finda a serenata e voltamos ao Jardim do Sapo (Praça João Mendes) ali perto, onde os ensaios para as serenatas aconteciam, e ficamos o resto da noite comentando o fato.
Luiz Paulo Costa – Jornalista

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