A insurgência dos habitantes do Distrito de Sant’Anna (1937)

Os habitantes do distrito de Sant’Anna, deste município, endereçaram ao sr. Prefeito Sanitário, uma representação no sentido de serem conservados os canos da linha adutora do reservatório do alto da Boa Vista, pleiteando a conservação daquelas instalações para o exclusivo fornecimento de água a aquele próspero bairro, alegando, entre outras razões, que a retirada daqueles canos não compensará os dispêndios que se farão e que o material, pelo seu tempo de uso, deve estar em condições de não servir.

Respeitamos as pretensões dos signatários do documento acima referido, mas, atendendo-se que se trata de assumpto que diz respeito ao interesse de toda a colectividade joseense, vamos fazer algumas considerações sobre o mesmo, convencidos de que melhor esclarecidos, os habitantes de Sant’Anna. “que sempre cooperaram para o engrandecimento de nossa terra que é a deles, também, concordarão com a medida projetada.

De início, devemos lembrar que essa pretensão dos sant’annenses foi por nós defendida, quando em artigos que escrevemos, tratamos do assunto.. Achávamos que esse manancial de veria ser conservado, a fim de atender, em caso emergência, as necessidades, da população, tanto da cidade como do distrito de Sant,Anna, pois, falamos de um modo geral.

Entretanto, diante da lógica dos fatos, tivemos que capitular, aceitando a deliberação dos técnicos que se pronunciaram a respeito. Aliás, devemos salientar, tão somente para esclarecimento do publico, que os trabalhos projetados, datam justamente do tempo em que o snr. Cel. José Domingues de Vasconcelos dirigia a prefeitura local. Foi precisamente durante a sua gestão que o sr. Arthur Motta, diretor da Repartição de Águas de São Paulo, mandou proceder aos trabalhos de estudos, tanto das águas do Rio Parahyba como as da Boa Vista, no que se refere sua qualidade e o seu volume, de modo a poder opinar técnica e cientificamente pelo aproveitamento desta ou daquela.

Do estudo da Repartição acima aludida, feito pelo engenheiro Abel Bightti, e que foi posteriormente aprovado pelo sr. Arthur Motta, isto em junho de 1933, os técnicos chegaram a seguinte conclusão:

A água (do manancial da Boa Vista) é de má qualidade e no exame bacteriológico feito pelo laboratório da Repartição de Águas e Esgotos acusou a presença de 10.000 colis (bacilos) por 100 centímetros cúbicos, o que a colocou entre as águas de péssima qualidade e há muito devia ter sido considerada pelas autoridades sanitárias como IMPRÓPRIA PARA O CONSUMO PÚBLICO“.

Como vimos linhas acima, a água da Boa Vista foi condenada pelos técnicos. Diante de tão expressivo depoimento, o que poderíamos nós, os leigos, dizer em contraposição a sua argumentação? Fizemos o que todos os leigos teriam feito. Aceitamos as conclusões que eram afirmadas por autoridades de incontestável competência e especializadas na matéria. Se o sr. Arthur Motta, se o laboratório de análises, se os técnicos especializados declararam ser imprestável a água da Boa Vista e que por tal deveria ter sido pelo Serviço Sanitário condem nada, como pretendermos a sua conservação? Para que ta! fizéssemos, mister se tornaria que nos estribássemos em outros depoimentos, de técnicos tão competentes, como aqueles. a que nos referimos.

E é preciso que se diga o serviço de abastecimento d’água a cidade, de acordo como projeto aprovado pelos departamentos técnicos do Estado, será feito diretamente pelo Governo do Estado por intermédio do Departamento das Municipalidades e sobre o controle da prefeitura local.

Para que a Prefeitura pudesse atender a representação que lhe foi endereçada, teria que contrariar, burlar, e porque não dizê-lo, exorbitar das suas funções e desrespeitar determinações superiores, o que poderia concorrer para o retardamento da execução dos trabalhos, resultando daí graves e incalculáveis prejuízos à população.

Além do pronunciamento dos departamentos técnicos de São Paulo, ainda temos a palavra insuspeita dos nossos médicos quando se manifestaram sobre o importante problema, a convite do atual Prefeito, conforme constataremos do documento que vamos transcrever mais adiante e que está assinado pelos srs, Dr. Jão Baptista de Souza Soares, naquela época presidente da Federação dos Voluntários de São Paulo; Dr. Ivan de Souza Lopes, oposicionista de larga visão, incapaz de contrariar a sua consciência para ser agradável a quem quer que fosse, muito menos para ser vir à politicalha; Dr. José Rosemberg, elemento infenso á política, pelo menos naquela ocasião, pois não estava filiado à nenhuma corrente partidaria; Dr. Nelson Silveira D’Avila, presidente do Partido Republicano Paulista, e Dr. Ruy Rodrigues Dória, único médico que, apoiava o situacionismo na ocasião, mas que nem por isso pode ser acoimado de suspeito, principalmente pelos habitantes de Sant’Ana, aos quais aquele clínico sempre esteve ligado política e particularmente. Fizemos estas considerações, para demonstrarmos, a imparcialidade com que se pre tende atacar os serviços de abastecimento d’água e positivarmos documentalmente, que o sr. Prefeito, por maior boa vontade que tenha para com os signatários da representação, não os poderá atender, a menos que pretenda comprometer e retardar ainda mais o início das obras em detrimento dos altos interesses da colectividade. E, os habitantes de Sant’Anna, como nós, estamos certos, não pretenderão contribuir. Para esse retardamento.

Vamos, agora, ao documento firmado por aqueles ilustres: médicos:

Não é pois; justo que diante da inteira possibilidade que se nos apresenta, de fornecer água pura em grandes quantidades como será a água do Parahyba tratada pela cloração, essas águas condenadas continuem a ser aproveitadas, mesmo em parte. Somos de parecer, pois, que se desreprese inteiramente o manancial e suas águas tão poluídas, no interesse da população de nossa cidade.”

Eis o pronunciamento claro e incisivo dos médicos desta cidade, sobre tão palpitante problema. Agora, perguntamos mais uma vez: seria razoável contestarmos a argumentação daqueles profissionais que não tiveram dúvidas, em aceitar e concordar com as medidas lembradas pelos Departamentos técnicos especializados? Como? Qual a argumentação que devemos opor ás peremptórias declarações daqueles médicos? Se não temos elementos que nos autorizem contestar o pronunciamento dos médicos, seguimos o único caminho que a lógica e o bom senso nos aconselhou: aceitamos e nos curvarmos ante a evidência dos fatos, muito embora pensássemos, como pensam os habitantes de Sant’Anna.

Alegam os signatários da representação:

a) achando-se o referido encanamento enterrado há muito anos, PROVAVELMENTE não servirá para qualquer outro serviço, uma vez que o mesmo seja desenterrado, cujo trabalho acabará de inutilizá-lo:

b) que além disto, o seu aproveitamento não correspondera as despesas a serem feitas com tal serviço:

c) que se achando, como se acha satisfeito, o povo de Sant’Anna com o serviço atual de abastecimentos d’água, JULGA desnecessária essa providência, a qual só poderá acarretar despesas no município, sem, qualquer resultado que o venha beneficiar.

Contrariando os argumentos acima, vem o Departamento das Municipalidades pelos seus técnicos e parecer do engenheiro Lima Rebello e diz:

Somos pelo aproveitamento desses tubos porque, além de serem aproveitados na adução e distribuição, ainda haverá sobra.
Outro engenheiro do Departamento das Municipalidades, o sr. A. P. Ippolito em seu parecer diz:
O emprego dos tubos de 6 polegadas da adutora existente, nas linhas de recalque, é uma feliz ideia do engenheiro Carvalho Ramos esposada pelos autores.”

Ainda o mesmo Departamento das Municipalidades, pelos seus técnicos, orçou em 10$000 por metro, despesa com o desenterramento dos tubos, calculando em 665:000$000 (seiscentos e sessenta contos de reis) o valor dos canos que serão aproveitados, dispostos numa linha de 11 kilo metros, ou seja, na base mínima de 60$000 por metro…

Temos pois:

1o), a condenação água da Boa Vista, pela seção competente da Repartição de águas e esgotos, superintendida, naquela época, pelo sr. Arthur Motta.

2o) o parecer dos médicos desta cidade, opinando que se desprese inteiramente o manancial e suas águas tão poluídas, no interesse da população.

3o) os pareceres dos engenheiros do Departamento das Municipalidades, opinando pelo aproveitamento dos tubos do manancial da água da Boa Vista e, finalmente:

4o) a demonstração cabal de ordem econômica, da qual resulta uma economia de 660:000$000.

São pareceres e estudos, que até esta data não sofre contestação de quem quer que seja, de estabelecer duvidas. Estamos diante de fatos concretos e não de sofismas, pelo que julgamos não poder o sr. Prefeito atender a representação que lhe foi feita, a menos que s. s. desse maior importância aos argumentos relativos ao ponto de vista de cada interessado e desprezasse todos os estudos e trabalhos feitos sobre O assunto, concorrendo para que se prolongue por tempo indefinido o início dos trabalhos de vez que os mesmos só poderiam ser feitos depois de novos estudos e novo orçamento.

Queremos crer, e nesse particular fazemos justiça ao povo de Sant’Anna, não existir sua parte o menor propósito de embaraçar a consecução desse serviço, aliás, da máxima importância para todos nós que desejamos vê-lo solucionado e pelo qual vimos clamando há muitos anos.

Destas colunas, fazemos um apelo nos signatários da representação no sentido de contribuírem, abrindo mãos das suas pretensões, em favor da causa pública, em benefício da coletividade, dos habitantes da cidade e dos habitantes de Sant’Anna, enfim.

O ponto de vista dos signatários da referida representação, respeitável, aliás, foi por nós adotado, há mais de dois anos. Entretanto, em face da documentação que nos foi exibida e em face dos pareceres das autoridades especializadas, nos rendemos à evidencia. Tenham os signatários da representação gesto idêntico, para que possamos, no devido tempo, ter um serviço de abastecimento de água de conformidade com as nossas necessidades. Somos todos bons joseenses. Sacrifiquemos por nossa terra os nossos sentimentos íntimos e os nossos pontos de vista, mesmo por que não dispomos de provas e elementos com os quais possamos contestar documentos firmados por profissionais dos mais competentes e técnicos dos mais abalizados.
Correio Joseense, 6 de junho de 1937, Num. 726

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