Apresento o trecho do livro presenteado por Angelina Martha Chopard Gerhard, durante a reunião de 60 anos de formatura das professorinhas de 1964, em que conta a trajetória de vida sua mãe, Maria Chopard, lançado em 2011 pela Editora Paulistana, hoje esgotado.
Muitas pessoas me incentivaram a escrever estas memórias. Escrevo principalmente para aqueles que chegaram bem depois de mim, como as minhas netas Luísa e Letícia, que nos alegram tanto com os seus olhares espertos e lindos.
Por que escrever? Para deixar registradas as passagens que pertencem às minhas lembranças mais marcantes, principalmente as da meninice e da adolescência, envolvendo a Berode, a tia Maroca, a Dona Maria Chopard, nossa mãe e estrela-guia durante 81 anos!
Alguns fatos foram extraídos de meu diário dos 15 aos 17 anos, onde ficaram registradas, nas palavras ingênuas de uma garota tímida, as preocupações com o dia a dia daquela família, numa cidade do interior. Esta foi a melhor forma que encontrei para homenageá-la e, acredito que nessas lembranças duas palavras traduzem o legado que restará como herança para os que vieram depois: Amor e união.
Angelina Martha Chopard Gerhard
São José dos Campos
Ouço que agora irei morar em São José dos Campos. Recebo a notícia sentada ao lado de minha Mãe, com a Ana Rosa em seu colo. Imagino um lugar muito distante, repleto de árvores altas… eucaliptos?… não sei. Entendo, calada, que iremos para outro lugar. Não temos mais as nossas coisas, estão por aí encaixotadas, após a mudança de Bauru para São Paulo.
Conhecemos São José no início de 53, quando o tio Dick (Dr. Ricardo Edwards) e tia Dulce, amigos de meus pais, convidaram a Berode* para passar uns dias em sua casa, devido a sua tristeza e luto pela morte de nosso Pai. Eram amigos há muito tempo, desde a época em que os dois, ainda noivos, frequentavam a casa de meus pais da Rua Topázio, na Aclimação, em 1942/43. Papai gostava muito de esportes e comprou um barco (Marirê) para velejar na represa de Guarapiranga. Possuíam uma pequena casinha naquele local para guardar os apetrechos, e os amigos costumavam acampar lá, velejar, enfim, curtiam muito aqueles momentos de lazer. Há inúmeras fotos do Renato, meu irmão, ainda bebê, no barco, e até numa barraca ao lado da casinha da represa. O tio Dick e a tia Dulce também costumavam velejar e, pelo que Mamãe nos contava, a turma toda era muito alegre, cantavam, cozinhavam e as solteiras tinham lá seus rapazes prediletos, os que ainda estavam solteiros – como o primo Luciano, tio Dick e outros. Os anos passaram, o barco foi vendido e Papai e Mamãe mudaram-se para Bauru. Era 1949.
Mamãe, aceitando o convite para passar uns dias em São José, acabou convencida de que aquela cidade era a melhor opção de vida para nós quatro. Elencavam as vantagens para ela, como a facilidade de se conseguir um emprego, os aluguéis mais baratos, o comércio de fácil acesso e, no futuro, para o Renato, o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), recém-criado. Explicavam que, além de formá-lo engenheiro, era gratuito, com direito à bolsa auxílio para as despesas. Tudo isso acabou por ajudá-la a decidir mudar-se para lá o mais rapidamente possível. Imediatamente, começamos a chamá-los de tio Dick e tia Dulce, e para nós isso foi muito importante.
Naqueles primeiros anos de nossa infância, eles foram muito presentes em nossas vidas, talvez por encontrarmos uma referência do Pai que havíamos perdido, aliado ao fato de os tios permanecerem em São Paulo. O tio Dick era médico cardiologista. Achava-o “sisudão”, porém muitas vezes nos agradou com brinquedos (a minha primeira caminha de boneca, no Natal de 54) e com gestos carinhosos. Gostava que ficássemos em sua casa, na Avenida Anchieta, que era grande, muito bonita e espaçosa. Ficamos muito companheiras da Bernadete, sua filhinha da idade da Ana. Anos mais tarde, nasceu o Fernando, que se enturmou conosco, embora fosse muito pequeno para as nossas brincadeiras. Muitas vezes eu passava a noite lá e posso lembrar do tio Dick jogando paciência na mesa da sala de jantar após as refeições. Eu, às vezes chegava perto dele muito calada. Olhava aquelas cartas coloridas, e não raro ele, sem dizer nada, passava as mãos em meus cabelos num gesto paternal.
Lembro-me de uma tarde em que estávamos as três, Bernadete, Ana e eu brincando de casinha no jardim. Na rua em frente da casa pastava sossegadamente um cavalo branco. Sem falar nada para elas, num impulso pulei o muro, que era baixo, para espantar o animal. Fiquei atrás dele falando, gesticulando e pulando. De repente deu-me um coice que pegou em cheio no meu peito. Cai no chão sem poder respirar direito, nem o choro saía. Quando consegui entrar e subir os degraus, chamei pela Ana e pela Bernadete, que se assustaram, devido ao meu choro intenso. Porém não tive coragem para dizer a ninguém que havia levado aquele coice. Chamaram imediatamente o tio Dick, que lia o jornal na sala. Pegou-me no colo, fez muitas perguntas, examinou-me atentamente, e penso, hoje, que imediatamente intuiu que eu levara um coice. Como eu negava, talvez de medo de levar alguma bronca, ficou tudo por isso mesmo e, dali a alguns instantes, eu estava brincando com as meninas. A Berode só soube disso muito tempo depois. Durante anos aquele coice me perseguiu, pois achava que nunca meus seios iriam crescer, além de ter adquirido uma implicância por cavalos brancos, que perdura até hoje.
Berode – corruptela da palavra mother, originalmente Mero´s e Bero´s, inventada no final dos anos 1950 pelo Renato e adotada por todos nós (eu, Ana, Maria Inês e Tia Zala). Outros nomes usados pelos sobrinhos: Tia Maroca, pelo Cáudio e Tia Méri, pelo Toni.
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Essa é o doce relato feito pela minha irmã sobre nossa família que adotou São José dos Campos como seu lar! Uma história de lutas e de muitas alegrias! Pela sincera acolhida de tantas pessoas que vão desfilando nas memórias da mana Angelina! Vale a leitura! Obrigada Berode! Obrigada São José!