Esta e outras matérias que levam o título de A Praça: Um Lugar, Muitas Histórias, fazem parte do livro-reportagem apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social e habilitação em Jornalismo, da Universidade de Taubaté, UNITAU, sob a orientação do prof. dr. Robson Bastos, realizado por Nádia Alcade.
Apresentação
A Praça Afonso Pena é rodeada por árvores gigantes, vizinha do popular restaurante árabe Habib´s, da principal delegacia de polícia e da antiga Câmara Municipal da cidade.
São 8 táxis que se revezam durante o dia, 25 confortáveis bancos para sentar, 15 pequenas lixeiras, 4 bancas de jornal, 5 carrinhos de cachorro quente e milhares de pessoas transitando durante o dia.
Pela manhã a praça carrega um ar de ressaca, só é possível ver garis com suas enormes vassouras de varrer folhas e uma pequena movimentação nos pontos de ônibus.
A correria só começa mesmo após todas as várias caixas de esfihas do restaurante serem recolhidas pelos catadores de papelão que é quando tudo parece estar limpo e pronto para seus ocupantes tomarem os postos e produzirem mais um dia de trabalho.
Aos poucos seu cenário vai se compondo, o sol aparece e tenta se infiltrar no pequeno espaço cedido pelas árvores ali plantadas. Em meio à sombra provocada pelos arbustos que completam a praça podemos também nos deparar com parquinho e chafariz.
Hippies, ambulantes e mendigos que se organizam milimetricamente no grande espaço. Aposentados com seus jornais se apossam dos bancos e puxam conversas entre si, vendedores ambulantes abordam os passageiros que descem dos ônibus rumo ao trabalho no centro, hippies estendem toalhas com seus artesanatos na principal passarela da praça e um leve cheiro de café surge das barraquinhas dos camelôs.
Pessoas vêm e vão a toda hora, algumas com muita pressa e outras que parecem simplesmente esperar a vida passar. O barulho começa a tomar conta do ambiente e logo se ouve por todo canto como uma cantoria:
Chocolatê, chocolate. Óiiaaa o passe, óiiaa o passe. Água, água, água.
A rotina corre normalmente, crianças brincam no parquinho e espantam os pombos, mulheres seguram pacotes com as compras da cidade, bancas expõem os jornais do dia, taxistas tiram um cochilo enquanto esperam por seus clientes e senhores de paletó gritam com uma bíblia na mão e ali em meio à bagunça organizada que eu encontrei os personagens deste livro que me contaram as histórias da vida real.
Maria Sem Dores
“Deus quer que eu continue, porque eu tenho muito trabalho a ser feito e muito testemunho a dar, e prova pra muita gente se levantar”
Viúva de marido vivo. Casou aos 16 anos com Acir dos Santos 15 anos mais velho. Até hoje não entende o casamento arranjado pelo pai que dentro das circunstâncias durou até muito. Foram 3 anos sustentando os dois filhos e a bebedeira do marido. Em uma tarde, após voltar para casa do trabalho de doméstica, recusou os agrados encachaçados do marido e acabou sendo espancada mais uma vez. Neste dia, ela disse:
“De hoje eu não passo”.
Desafiando o próprio medo e também o da vizinhança caminhou toda machucada do bairro Jardim da Granja até a delegacia do centro da cidade pra fazer a denúncia da violência.
A menina Maria das Dores dos Santos não sabia muito, mas o suficiente pra decidir que naquele momento não carregaria mais as dores do nome. Voltou para casa na patrulha da polícia, veio sorrindo, feliz só por não precisar voltar a pé e se alegrou ainda mais quando viu a polícia levar o tal marido preso, que nunca mais se atreveu a incomodar.
São José do Alegre em Minas Gerais não trouxe só mais uma Maria de vida difícil, que não pôde estudar porque logo cedo teve que trabalhar pra ajudar a família.
Essa Maria veio sonhadora. Enquanto trabalhava arrumando a casa das pessoas, passava o tempo que ficava sem a patroa por perto com o ouvido grudado no rádio, sonhando com a voz de Amado Batista e rindo com o caipira Barnabé do programa “Sanfona da Veia”.
Foi ouvindo as piadas e modinhas de viola que Maria imaginou seu mundo de sucesso. A pequena menina cresceu os olhos para diante do mundo.
Após a separação do indesejado marido, seguiu seu caminho e para prover de víveres e munições se agarrou ao trabalho e voltou aos estudos, frequentando cursos noturnos gratuitos de pintura e teatro.
Abandonou o serviço de doméstica e comprou um trailer que estacionou na Praça Afonso Pena.
Lá além dos salgadinhos e outras guloseimas que vende, instalou também um rádio para lhe fazer companhia. Conquistou seu espaço, a simpatia dos clientes e a renda que depois veio permitir o que todos que trabalham anseiam: televisão, casa e também o carro.
De tanto sonhar, de tanto imaginar, pegou o lápis e colocou seu pensamento no papel. As poucas palavras que aprendeu a escrever nos escassos anos de estudo foram o bastante pra ela entender e inventar todo o resto.
Com sua caligrafia marcada pelo dificultoso traço de cada letra, ela escreve tudo junto, sem parágrafo, sem vírgula, sem ponto e sem pausa pra respirar, assim como a vida lhe foi, sem descanso e intervalos.
Sonho de Sucesso
Se casou de novo e teve mais quatro filhos que nasceram e sumiram depois de criados. Há 30 anos mantém seu trailer na esquina da Praça, mas diz ter se encontrado mesmo é como artista. Primeiro foi a mãe que censurou os garranchos da filha. “Vai trabalhar ela dizia, traz o dinheiro pra casa”. E depois os filhos, que tratavam o sonho como motivo de deboche. “Não me interessam o que os outros pensam, sou muito animada em querer ser alguém e não vou desistir do sonho que eu quero de participar de novela e se não for a dos outros pode ser a minha mesmo, eu escrevo”. E assim, enfurecida é como ela responde quando alguém fala que é um sonho bobo.
No começo era só poesia, depois virou música. Escreveu sobre a saudade que sentiu da mãe quando ela se foi, sobre o abandono dos filhos, sobre o amor e as desilusões da vida.
Maria das Dores virou Dori Santos, mulher e cantora. Longe de ser analfabeta e perdida na decisão entre passar fome ou estudar, escreveu “Jigogi, Jigolo”. Assim, escrito desse modo, como entende. Do jeito que sai o som.
Vaidosa e namoradeira, a letra foi inspirada na relação que viveu com um certo namorado que não queria saber de trabalhar.
“Jigogi, Jigolo, você esquece que ela cansa, ainda vai ficar sem ela”. “Você vai ter que mudar, és um jovem atraente, mais vai ter que trabalhar”.
Nas folhas de um caderno, ela solta sua imaginação. Paga R$ 4,00 para que alguém digite e imprima, depois disso ela acerta o ritmo e agenda o estúdio em Jacareí pra gravar com a melodia do teclado. São 80 letras escritas e 5 CD´s lançados que ela vende ali mesmo no trailer.
Pra sustentar o sonho de ser cantora, ela gasta mais do que ganha, mas se realiza com o breve espaço que conseguiu realizando aberturas em shows regionais.
Com ajuda de amigos, fez um vídeo para o Youtube que já tem 7 visualizações e agora ta aprendendo a ler partitura e tocar violão. Dona Mocinha, como foi apelidada pelos colegas de sala em referência aos vestidos e chapéu que sempre usa, está compondo agora “Vicky, Bhebbek”, que se pronuncia: Vicky Bakebu. Ela ouviu na televisão e correu ao professor para perguntar. “Cê não sabe o que é não? Bakebu é eu te amo em sírio, eu decifrei e estou fazendo o resto da história pra música”.
Dori Santos não participou ainda de nenhum programa de televisão ou novela, mas o que ela não sabe e muita gente não viu é que esta atriz não interpretou o papel de coitada, ela escolheu o papel de explanar as mazelas da vida e abriu as cortinas para o sucesso de ser quem ela é.
14 de agosto de 2009
Texto e fotografia: Nádia Alcalde
Revisão ortográfica: Miriam Puzzo
Diagramação: Rodrigo Schuster
Unitau – 2010
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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente