“Sempre tem uma oportunidade e só ter cara e coragem”
Antônio Pereira nem sente mais dor nas costas de tanto que já socou esse pilão. A receita de família que atravessou o último século começou com a bisavó, uma autêntica caipira do interior de Minas Gerais.
Entre uma fornalha e outra do biscoito de milho que fazia e com falta de ingredientes para a preparação de uma boa comida, usava a sobra da farinha pra depois pilar com amendoim e o açúcar.Coisa de mineiro mesmo, paçoca. Essa foi a receita que ficou no DNA dos Pereiras.
O benefício não foi só o nutricional de ser um alimento altamente energético e ideal pra manter a força de quem capinava o dia inteiro na roça, o legado que ninguém esperava foi também o financeiro.Antônio foi como os outros muitos que deixaram a vida no campo pra tentar ganhar a vida na cidade.
Trocou o cantar do galo pelas buzinas dos carros e trabalhando de sol a sol foi tentando de açougueiro pra pedreiro.Mesmo com a cidade inteira em construção, o dinheiro que ganhava ainda não era o suficiente pro sustento dos quatro filhos e para erguer o seu próprio lar.
O que seu Antônio não imaginava é que sua vida iria mudar um desses dias em que mais uma vez ele se encontrava perdido e pensando sobre seu futuro.Como ganhar mais? Foi o que seu Antônio se perguntou enquanto fazia mais um “bocadim” de paçoca pra comer, e a resposta veio quando se deu conta que não existia ninguém que vendesse nas ruas a preciosa iguaria que tanto o alimentava.
Como bom entender do assunto, ele seria a partir daí um paçoqueiro. A esposa Jaíra achou que era loucura do marido por não ser uma ideia muito comum e Antonio, não preocupado com o palpite da mulher estava decidido a arriscar.
Trajetória – Alimentando Esperanças
Sem saber se a paçoca estava no agrado dos prováveis clientes, saiu primeiro somente com alguns saquinhos que ofereceu no posto de saúde no bairro Altos de Santana, onde mora, e só foi ter mesmo a certeza de que havia acertado quando voltou sem nenhum.
O pilão em que eles misturavam os ingredientes era pequeno, mas Seu Antônio, pensando em uma maior produção, resolveu logo o problema arquitetando um grande, tamanho família. Arranjou um tronco de madeira de aroeira e construiu com suas mãos o seu primeiro. Com o machado abriu um buraco no centro, serrou para ganhar o formato, depois queimou com fogo para deixar do tamanho desejado e por último lixou para que ficasse bem liso.
Foram 4 dias até o pilão ficar pronto, um monumental e reforçado pilão, tão robusto quanto seu Antônio que o haveria de pilar. O pilão foi junto na primeira feira de exposição do produto. Dona Jaíra, armou a mesinha, estendeu a toalha de mesa mais bonita que tinha e lá estava a paçoca com direito a um bocado para os primeiros clientes experimentarem.
Paçoca caipira. O modo de preparo parece até simples, mas o que pesa é a força no braço, são 40 minutos, erguendo e metendo o pilão na cumbuca.
Primeiro coloca-se o amendoim e, só quando ele começa a ficar úmido, se coloca a farinha e o açúcar e assim vai socando até esmigalhar.
Comida artesanal do começo ao fim e pra deixar com mais gosto de roça ele torra o amendoim no fogão a lenha. “O sabor da paçoca fica mais saboroso no fogão a lenha” declara seu Antônio que virou o “Chicão da paçoca.”
Depois é embalado em três tamanhos, o de R$6,00 o de R$4,00 e o de R$ 1,50 que vem em um potinho com uma colherzinha, indicado para servir como sobremesa.
O sucesso do sabor diferente correu as ruas da cidade e logo Seu Antônio mais a esposa Jaíra, eram a atração principal da feira que certa vez causou até tumulto quando formaram uma rodinha em volta da barraca pra escutar o baque lento e compassado, forte e insistente do socador.
A paçoca já rendeu a casinha de seu Antônio que, com os braços cansados trouxe os filhos para trabalhar com ele, que foram sem hesitar aliviar um pouco o esforço do pai.
Como na tradição, a preparação da paçoca dos Pereiras é um ritual de união e no grande pilão, várias mãos juntas trabalham em um só compasso. São 80 quilos de paçoca produzidos por semana, para serem vendidos.
“Vim aqui, olhei, tentei fazer igual e não deu certo”, é o que conta Dona Jaíra da freguesia. “ O povo compra uma e sempre volta”, revela Antônio.
Chicão deu entrevista, saiu no jornal e ficou famoso na comunidade onde mora e não foi só porque o bairro é conhecido por morar muito mineiro não, chegou até convite de outra cidade pra ir fazer paçoca por lá e também “olho gordo”, achando que a família estava ficando rica. “Ninguém vê o trabalho que dá, não vê o que gasta com material”, desabafa Dona Jaíra.
O casal não só acertou no ponto certo da paçoca, acertou também no ponto do sustento, mas nem os nutrientes deste alimento foram o suficiente para compensar a força exigida no árduo serviço.
Em janeiro de 2010 com 65 anos, seu Antônio sofreu um infarto, chegou no Hospital Municipal da cidade com todo o corpo paralisado. Foram 6 médicos para atender e fazer o cateterismo cardíaco.
Antônio passou três meses internado e Dona Jaíra sem se desgrudar um segundo sequer do seu lado. Nesse tempo a filha mais velha fazia e vendia a paçoca para garantir o dinheiro. Com a fé da esposa, tratamento e remédio, ele melhorou e retomou todos os sentidos e entre as recomendações prescritas está o de não pegar mais peso, o que ele até tenta, mas não cumpre.
Todo sábado Chicão, mais a mulher e o pilão estão na praça, onde a paçoca é comida aos punhados e o segredo está além da paixão da família pelo ofício, está em perpetuar a cultura que sobreviveu a todo o período de mudanças desse novo mundo.
04 de Setembro de 2010
Texto e fotografia: Nádia Alcalde
Revisão ortográfica: Miriam Puzzo
Diagramação: Rodrigo Schuster
Unitau – 2010
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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente