A Praça: Um Lugar, Muitas Histórias – Oliveira, Artes Plásticas

“Tudo, fui rei, fui escravo e agora eu to só na retaguarda, é.”

Quem passa pelo parquinho da praça provavelmente já se deparou com o solitário Oliveira sentado em seu banquinho. Ali, de costas para o movimento, olhando as crianças brincarem na areia e nos balanços, ele se inspira. Este é o espaço que ele escolheu para realizar seu trabalho.

Com um lápis grafite na mão e sempre de camiseta preta ele prefere até passar por despercebido. Concentrado em seu desenho não gosta que o incomodem.

Na velha bolsa, carrega borracha, uma prancheta com folhas de papel, um maço de cigarro e uma garrafa térmica com café. Ele desenha. Faz o rosto do retrato fotográfico das pessoas. Pode fazer do jeito que você quiser, separado ou em conjunto e se pedir ele pode até colocar um sorriso

Oliveira não é muito de conversa, não cumprimenta ninguém e desdenha até dos que elogiam seu trabalho. Vai sempre direto ao assunto. “É R$35,00 um rosto e R$40,00 pra fazer de duas pessoas”

Trabalha quinta, sexta e sábado, dás 08:00 ás 15:00 h da tarde, que é pra não cansar muito. O cliente deixa a foto, paga a metade do valor combinado e depois agenda o dia para pegar o trabalho pronto. Ele assina um recibo, carimba com a marca “Oliveira, artes plásticas” e pede o telefone. Conta os números que anota e reclama quando o número é de um celular. Oliveira ainda usa cartão telefônico e acha uma falta de privacidade falar ao telefone andando na rua tanto pra quem fala, quanto pra quem escuta.“Ninguém precisa saber o que você esta conversando, eu não quero saber da vida de ninguém”

O número do telefone é para garantir que o cliente irá voltar e ele não terá o trabalho perdido, por isso sempre se certifica. “Mas você vai voltar mesmo né?, porque tem gente que mesmo pagando a metade não volta mais”

Ele coloca a foto em um saquinho, prende na prancheta e continua com o desenho que esta para terminar. Oliveira, nunca leva serviço pra casa, faz tudo ali mesmo na praça, aos olhos dos que passam. Sem considerar nenhuma técnica para a sua arte, ele esbanja talento e diz que a necessidade o ensinou a desenhar e que a mão é só o instrumento.

Sensível e artista que é, enxerga além dos simples traços. Parece conhecer cada tipo humano e analisa todos que se aproximam dele, ás vezes pergunta se o pai do retratado é mulato ou se a mãe é nordestina e ainda questiona quando não entende a origem um lábio mais carnudo e uma pinta perdida no rosto. “Esse com esse, não dá esse não!”.


Senhor do próprio destino

Oliveira é um homem solitário que diz não saber quem é e nem de onde veio. Quando fala de sua vida, seus olhos se enchem de lágrimas.

Ele carrega no peito um passado de muitas mágoas do qual nem suporta falar.

Na carteira de identidade há apenas o registro que a memória não gravou. Só usa o nome de batismo, foi registrado como nascido em Recife, Pernambuco cidade do qual nada ele lembra e conta que nem nunca viu a praia

Abandonado em um mundo só seu, ele caminhou junto a sua sombra e andou assim durante muito tempo, sem que ninguém lhe estendesse a mão.

Senhor do próprio destino ele carrega um livro inteiro na cabeça. Conhece a história de Jesus com Maria Madalena, fala da ciência, do princípio da vida, sobre a sociedade e tudo mais que viu pela rua, pelos abrigos e orfanatos por qual passou. Oliveira, não enxerga aos olhos comuns, enxerga além, ele tem o olhar do rejeitado, do renegado, do judiado pela vida. Aquele olhar que sentimos dó quando vemos, que ignoramos sempre.

Eis uma parte de nossa conversa:

– É difícil desenhar?

“Depende, depende como vê”

– Teve algum retrato que foi mais difícil?

“Não tem mais difícil, é como um idioma, é igual, qualquer idioma você aprende. Não existe, é a convivência, com a convivência você aprende”

– Nada é complicado?

“Filha na verdade se não é complicado eu não sei então porque existe. Mas se você olhar bem a complicação, a dificuldade tá na cabeça da gente, tá na cabeça das pessoas. A pobreza, a miséria, não existe. Existe mas dentro da sua cabeça, se você olhar bem a necessidade faz você fazer o que tem que fazer, diante que seja na normalidade da sociedade, a nossa sociedade faz você assim”

– É no que você acredita.

“Não é no que eu não acredito, tá na ciência né, eu gosto muito da ciência. É a realidade, não é história. A ciência fala, é o que é e acabou. Tá na ciência, não é fofoca, não é coisa que a gente inventa, tá na ciência, essa é a real. Não tem por onde ir, não tem outra parte”

– A vida ensinou isso?

“Já levei muita porrada da vida”

– Que tipo de porrada? Dificuldade?

“Tudo, fui rei, fui escravo e agora eu to só na retaguarda, é”

03 de julho de 2010

Texto e fotografia: Nádia Alcalde
Revisão ortográfica: Miriam Puzzo
Diagramação: Rodrigo Schuster
Unitau – 2010

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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente


2 thoughts on “A Praça: Um Lugar, Muitas Histórias – Oliveira, Artes Plásticas

  1. Linda reportagem sobre nossa cidade!!
    Sou Joseense!
    Fiz varios cursos de Astronomia no Observatório Galieu Galilei
    Remo Cesaroni era fantástico, homem culto e de grande visão e muito generoso!!!!

    1. Bom dia Inez! Que interessante saber, gostaria de conversar contigo. É irmã do Fernando por acaso?

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