Vereador Berfares

Esta matéria foi veiculada na Lider Revista de Dezembro de 1968, quando a pessoa simples passou da noite para o dia à celebridade na cidade, por ter ganhado a eleição para vereador naquele ano. Confira este enriquecedora matéria sobre mais uma página da história de nosso município.


Existiam 57 candidatos a vereadores nas últimas eleições, entre eles médicos; advogados, comerciantes. Apenas 15 venceram e entre estes Berfares – o voto protesto ou

A VITÓRIA DO TOSTÃO SÔBRE O MILHÃO

Texto de M. A. Bilota Duarte

O lançamento de Berfares como candidato a vereador não preocupou muita gente, pelo contrário, o fato serviu mesmo de pilhéria para quase todos; divertiu a muitos — trata-se, pensavam, de um coitado sem eira nem beira, expondo-se ao ridículo, instigado pela falta de caridade de algum “gozador”.

Mas, para surprêsa geral e, principalmente, do próprio Berfares, ele foi eleito, mais que isto: foi o segundo vereador mais votado da cidade – o mais votado de seu partido — M.D.B.

E agora? Seria de se perguntar como Carlos Drumond de Andrade em seu famoso poema… e agora, Berfares?

Desde que os resultados das últimas eleições se tornaram público Berfares é notícia, é comentario, é preocupação, é uma pedra no caminho… Eis porque LIDER REVISTA não ficaria à margem dos anseios de tôda a população joseense que deseja saber e se pergunta a cada minuto:

QUÉM É BERFARES ?

Nós mesmos da equipe de Lider Revista não sabíamos quem era Berfares, conhecíamos de nome e tínhamos a seu respeito as mais desencontradas formações. Mas era preciso conhecê lo para que podessemos apresentá-lo ao público e imbuídos dessa intenção demos início à longa caminhada em busca de Berfares. Seu endereço correto ninguém sabia dizer. Tomamos algumas indicações e partimos para o Alto da Ponte.

O carro percorria ruas tortuosas e poeirentas, deixando para trás crianças sujas e esfarrapadas te a cada esquina perguntávamos sobre Berfares, todos o conheciam, mas ninguém sabia dizer ao certo onde morava.

Finalmente uma mulatinha gorda, suja e descalça esclareceu a controvérsia: “êle morava alí, naquela casinha, mas mudou-se para a cidade…” E não satisfeitos com a informação paramos um homem que deu com precisão o endereço tão procurado. “Êle mora com o irmão, numa casinha, lá perto do matadouro”.

Passava de duas horas da tarde quando fomos encontrar Berfares na “casinha” do irmão mais velho com quem reside, desde antes de ter sido eleito.

Berfares veio ao nosso encontro solícito e assim que no identificamos convidou-nos a entrar, uma salinha pequena, proporcional ao minúsculo tamanho da casa, situada às margens do rio — um recanto tão humilde quanto agradável, onde permanecemos por longo tempo ouvindo Berfares falar, olhado e admirado pelos demais familiares que se orgulham de sua consagradora vitória.



Filho de pescador, foi carroceiro, comerciante e corretor

Seu nome? Berfares Souza Oliveira!

Idade? 42 anos. Nascido em São José dos Campos, “rio abaixo”, conforme se expressou — onde é hoje a Fazenda Jataí.

Profissão? Corretor.

Berfares é um homem simples, simplório, melhor diríamos. Não parece envergonhar-se de sua situação de homem pobre, condição responsável por sua vitória nas urnas dia 15 de novembro último. Mostrou-nos sem constrangimento o quartinho humilde em que vive, falou com orgulho sôbre o pai que era pescador de profissão, procurou, no entanto, omitir que tivesse sido carroceiro e foi preciso que o repórter o interpelasse a respeito para que confirmasse os muitos boatos que ouvíramos.

De fato Berfares chegou a ser carroceiro durante, alguns meses no que não vai nenhum demérito, demonstrando apenas que se trata de um homem trabalhador e que jamais se furta ao serviço. Do que ele mais gosta de falar no entanto é sôbre o período em que foi comerciante “pequeno comerciante” – faz questão de frisar, durante doze anos, o que lhe deu oportunidade de fazer grandes e boas amizades no bairro, tornando-se popular e estimado por todos.

Hoje Berfares é corretor, segundo diz, trabalha numa sociedade “de fato” com Luiz Arantes (um dos principais responsáveis pelo lançamento de sua candidatura), mas a partir de fevereiro vai dedicar-se exclusivamente aos 1.688 eleitores que o elegeram e a quem mais dêle necessitar. Para tanto pretende montar um pequeno escritório na cidade, onde estará à disposição do povo em tudo que puder servir, pois “só tenho compromisso com o povo, com quem me elegeu e para êles eu vou trabalhar, porque meu voto não foram comprados, foi de coração, foi consciente”.


Suas palavras de ordem são intuitivas

Depois de alguns minutos de “bate papo” com Berfares ouvindo seu jeito simples de falar, sua dificuldade de expressar-se, seu pouco vocabulário, acudiu-nos a curiosidade pelos comícios que fizera em praça pública durante sua campanha e quisemos, principalmente saber quais as mensagens que levava ao povo, em que baseava, ou melhor justificava seu pedido de voto.
“Eu dizia que era pessoa humilde e disposto a trabalhar pelos humildes, pelos bairros mais pobres e por escolas, porque as crianças de hoje são o futuro do nosso Brasil de amanhã…”

Berfares tem um carinho todo especial pelas crianças e contou-nos entusiasmado:
“O povo se agradava comigo, todos me aplaudiam, principalmente as crianças, por isso eu tinha certeza que ia ser bem votado, porque quando as crianças gostam da gente é sinal de que os pais também gostam e falam da gente”.

Como para muitos a candidatura de Berfares não passava de “gozação” e sua vitória de puro protesto surgiram boatos de que ele jamais assumiria sua cadeira na Câmara ou por não se sentir em condições de fazê-lo ou por que seria impedido pelo próprio partido que lhe deu legenda, entretanto, Berfares não pensa assim e está no firme propósito de exercer o cargo que lhe foi outorgado pelo povo, legalmente, embora tenha recebido propostas inexcrupulosas para que não o fizesse:
“O repórter Antônio Leite me disse que um vereador da ARENA que não foi eleito ia me oferecer um carro, uma casa e 5 milhões para eu desistir de tomar posse, mas eu disse que minha cadeira não há dinheiro que pague, não vendo por dinheiro nenhum, porque ela não foi comprada”.

Tudo o que perguntávamos para Berfares não lhe constituia novidade, pois ficou sabendo de tôdas as “fofocas” a seu respeito e fala nelas com indiferença:
“Durante minha campanha um candidato da ARENA falou num comício que o povo não devia votar em mim, que era voto perdido, até que eu sou doente da cabeça ele falou, mas eu não fiquei bravo, a única coisa que lhe respondi foi o seguinte – gostaria que ele fôsșe bem votado e vencesse as eleições, porque se uma pessoa me chama de palhaço eu fico contente — o palhaço só dá alegria p’ros outros, mas se me chamarem de malandro aí e fico triste, porque o malandro, o marginal só traz tristezas p’ra todos”.


A política de Berfares nasceu na massa do povo

Uma campanha política custa dinheiro e dinheiro graudo, foi por isso que vendo as condições de vida de Berfares, seu nível de cultura precisamos indagar-lhe como nasceu a idéia de sua candidatura e quem lhe financiou a campanha.

“Eu não tinha idéia de me candidatar e até estava trabalhando para outro candidato – o João Moreno — êle me pagava um dinheirinho, dava p’ro cigarro, mas todos que eu pedia para votar nêle me perguntavam porque eu não me candidatava. Eu disse que não tinha dinheiro para custear a campanha, então alguns comerciantes de Santana se reuniram e decidiram fazer um abaixo assinado para ajuntar dinheiro, foi assim que eu entrei na política que para mim nasceu da massa do povo”.

Dizendo isto Berfares levantou-se foi até seu quarto e apanhou lá algum material de propaganda e o abaixo assinado que somava a importância de quatrocentos cruzeiros novos. Pouco mais que isto foi gasto na campanha do segundo homem mais votado à Câmara Municipal de São José dos Campos — pobrezinha sua casa, pobrezinha sua campanha, o que deve ter causado “dor de cotovelo a muita gente “bacana”.

Por isso é importante contar o que nos foi contado por Berfares. Quando ficou, em definitivo, decidido que seria candidato pelo MDB era preciso cuidar da papelada – registro da candidatura, o que o levou a São Paulo, acompanhado do deputado José Marcondes Pereira, para providenciar desde cédula se identidade, para poder ir a São Paulo, diz Berfares,
“Precisei comprar um par de sapatos que eu não tinha e não tenho vergonha de falar”.

O que se observou, porém, depois de sua eleição é que o deputado Marcondes, que não acreditava na possibilidade de vitória, passou a comandar os passos de Berfares, acompanhando-o às rádios para entrevistas e a diversos lugares públicos e Berfares explica porque:
O deputado não gosta que eu va sózinho porque diz que eu ainda não estou muito acostumado com repórter e que repórter pode estragar a carreira do político, eles fazem muitas perguntas e meu nível de cultura não está à altura”.


Berfares tem planos para o futuro

Sua responsabilidade, afirmou várias vezes, é com seus eleitores, de modo que pretende atendê-los na medida do possível, no entanto, a primeira reivindicação que já se faz mister, de há muito, é com relação à água para o Alto da Ponte, assunto sôbre o qual já entrou em entendimento com o prefeito municipal, Elmano Fereira Veloso, quando de sua visita ao gabinete do chefe do Executivo.

Mais tarde, quando em exercício, sua intenção é visitar os bairros, ir ao encontro dos problemas, conhecê-los e tentar resolvê-los — vai ouvir o povo, perguntar, em cada bairro, quais suas necessidades mais urgentes. Como exemplo citou o bairro de Vila Cristina, onde não há escola. Pretende cuidar do assunto com carinho.

Com referência a assistência social sua preocupação também é grande, pois mesmo antes da eleição sempre se preocupou com o próximo, tendo providenciado inúmeras internações e diversas assistências médicas a pessoas necessitadas, de modo que nêste trabalho é apenas prosseguir o que já está iniciado.

Berfares acha o amor um negócio perigoso

Na qualificação anteriormente feita deixamos de propósito omisso o estado civil do entrevistado, reservamos para o momento oportuno – é solteiro, mas não pretende morrer assim, sempre quis constituir um lar, ter filhos e se até agora não o fêz foi porque não deu certo:
“Não sei porque — os outros namoram e casam, só eu não consigo… Para umas sou um homem sem posição, para outras sou afastado da sociedade”.

Berfares no entanto foi por nós lembrado de que agora já tem posição e que de agora em diante deverá frequentar a sociedade porque será solicitado, de modo que tudo vai se tornar mais fácil, entretanto, Berfares protestou afirmando que agora o amor lhe é mais difícil ainda, se antes não dava certo, por interêsse também não dá.

A verdade, porém é que se trata de uma alma romântica, apaixonada, toca violão e canta, quando está triste, porque sente que cantando transmite a outro a sua tristeza e a sua saudade, saudade de seus vinte anos, apaixonado pela enfermeira que não lhe correspondeu:
“Não pude conquistar ela p’ra mim e ela desviou p’ra outro lado”.

Berfares não bebe, não gosta de cinema e não liga muito para futebol, gosta de ler (principalmente a Bíblia, que encontramos ao lado de sua cama e romances de amor), mas sua paixão mesmo é o violão. Gostaríamos de tê-lo ouvido tocar e cantar suas próprias composições e chegamos mesmo a pedir-lhe isto, mas com tristeza Berfares nos contou que vendera o violão durante a campanha…

Dinheiro, no entanto, a partir de fevereiro não preocupará mais Berfares e temos certeza que a primeira coisa que fará assim que receber será adquirir um violão e nós teremos ainda oportunidade de vê-lo cantando e interpretando suas músicas.

Traga sua história para ser contada!
Digitalização de fotos, vídeos, áudio, documentos, recortes de jornais, gravação de depoimentos, cartas, etc.
Midias Sociais: sjcantigamente
Whatsapp: (12) 99222-2255
Email: sjcantigamente@gmail.com
Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente

Comente se há informações extras, escreva suas recordações ou mesmo o que achou desta publicação. Agradeço por sua participação!