Nos bons tempos da rua 7…

Matéria do jornal Valeparaibano de Domingo, 20 de Março de 1994. Escritas por Andréia Barros e Altino Bondesan. Uma declaração de amor à rua que hoje é constituída apenas de comércios. Me recordo que minha mãe tinha uma comadre que morava ali, a Dna. Emília, ela morava perto da Savi. Quando a visitava via um frasco de perfume na penteadeira no formato de uma sereia, com um misto de medo e curiosidade. Coisa de criança. Lembranças distantes…

foto por João Rangel.

“Seu” Raul descansa num dos bancos da Rua Sete; aos 79 anos, é o último morador do Calçadão e se lembra das rodas para jogar conversa fora antigamente.

Já se vão algumas décadas em que se podia andar tranquilamente pelo centro da cidade, longe da atual situação em que o corre-corre diário da São José cosmopolita se esfriou e se tornou a capital do Vale. Uma das ruas mais tradicionais, a Sete de Setembro, já foi um dia, uma rua exclusivamente residencial, e hoje é um dos retratos mais fiéis da mudança por que a cidade passou. Hoje, ela está completamente tomada por casas comerciais, mas ainda sobrevive uma lembrança dos velhos tempos. O aposentado Raul Silva é o último dos moradores da Rua Sete. E único. Talvez por sorte, um acidente do destino fez com que ele mantivesse na memória os velhos tempos, e não visse a transformação que se passou: “seu” Raul perdeu a visão há 4 anos.

Aos 79 anos, dos quais 50 morando na Rua Sete, Raul Silva reclama da situação de total abandono em que o local se encontra. O abandono pode ser notado em sua própria casa, onde “amigos” do alheio já roubaram seu televisor, rádio, entre outros aparelhos. À noite ainda é pior. Por tudo isto, “seu” Raul não acredita que a rua será revitalizada, de acordo com um projeto da Prefeitura.

Esquecendo o lado ruim, ele prefere lembrar os bons tempos, quando os moradores da rua ficavam na frente das portas de suas casas, acendiam fogueiras, e “falavam mal da vida dos outros”. “Era muito gostoso”, diz o aposentado. Nessa época o comércio estava localizado mais na Rua Siqueira Campos. Ele recorda que uma das primeiras lojas construídas na Rua Sete vendia chapéus e calçados e era de propriedade de Salim Simão.

Mas não é apenas da Sete de Setembro que “seu” Raul gosta de falar. Ele conta, por exemplo, que pescava todas as noites no Rio Paraíba, onde era possível fisgar belos dourados. A pesca acabava no Clube Piraquara, em Santana, onde podia-se tomar uma boa cachaça, acompanhada de um churrasco, feito por José Pinotti. “Ele cozinhava muito bem”, comenta. E, faz muito tempo isso.

“Quando chovia, o Banhado se enchia de água e todo mundo ia nadar lá”, lembra. Outra boa recordação é o Klaxon Clube, na Rua 15 de Novembro. Ali, “seu” Raul foi garçom, e conheceu políticos como João Mendes Pedroso e Arnaldo dos Santos Cerdeira, além de Olivo Gomes, pai de Severo Gomes. No Klaxon os “grã-finos” se reuniam para beber, jogar baralho e, claro, jogar muita conversa fora.

Mas Raul Silva conhecia muita gente. O ex-prefeito Elmano Ferreira Veloso era seu vizinho. O comerciante Saul Vieira trabalhava na rua vendendo gravata. “Ele era muito trabalhador”, lembra. O professor Everardo Passos é uma pessoa de quem ele recorda com emoção. Na opinião dele, Passos foi injustiçado pela cidade. “Não dão a ele o valor que merece”, afirma. Ele lembra muito da época em que o professor estava fundando o Colégio Olavo Bilac.

“Eu o ajudava, endossando título no Banco Comercial”, diz “seu” Raul, que foi funcionário do banco durante muito tempo.

O aposentado começou a trabalhar muito cedo. Foi garçom, trabalhou no banco, foi comerciante, mas era conhecido mesmo como Raul da Leiteria, apelido que ganhou na época em que foi gerente da Cooperativa de Laticínios. Durante 37 anos foi casado com Itália Carnevalli Silva, filha do famoso construtor Romeu Carnevalli. Viúvo há 15 anos, hoje, “seu” Raul passa a maior parte do tempo na casa de seus dois filhos. Desde pequeno o aposentado tem problemas na vista e, por causa disso, fez várias operações. No entanto não foi possível recuperar a sua visão. Mas conforme Jorge Luis Borges no seu belíssimo poema “Elogio da Sombra”: * Demócrito furou os olhos para aprender o tempo foi meu Demócrito”.

A Rua do Fogo não é mais aquela

Antigamente era conhecida como Rua do Fogo, porque os moradores faziam fogueiras à noite, hoje, a Rua Sete de Setembro é um dos mais importantes centros comerciais do município. Foi uma das primeiras ruas a serem asfaltadas na cidade. Entre 1976 e 77 foi construído o calçadão no local.

Segundo o aposentado Tuffy Simão, que morou 52 anos na rua, o comércio surgiu no local, logo após a Segunda Guerra, em 1945. Antes disso, as lojas eram localizadas nas ruas 15 de Novembro e Siqueira Campos. A primeira loja na Sete de Setembro, conforme Simão, foi de propriedade de Benedito Chagas, conhecido como Chaguinha. Em 1926, Salim Simão, pai de Tuffy, comprou o prédio de Chaguinha e construiu a Casa Vitória. Hoje, o prédio, localizado na esquina da Rua Sete com a Coronel José Monteiro, é ocupado por uma loja de roupas.

Antes das lojas, Tuffy Simão comenta que a Sete de Setembro possuía diversas fábricas, como a de brinquedos, da família Lebrão; e a de meias, de Pedro David, entre outras. Ele lembra que o local não tem muitos prédios, porque as fachadas das casas foram transformadas em lojas. E a partir da década de 60, o comércio começou a tomar conta do centro da cidade, e os moradores foram mudando da Sete de Setembro.

Para vibras as fibras do coração

Altino Bondesan

Falar, para mim, em Rua 7 é fazer vibrar as fibras do coração, como diria o poeta.

Formada, com a Rua 15 e Rua S. José, o trio de ferro da cidade. Mas, em primeiro lugar devo dizer que essas, como outras vias, tinham nomes ou apelidos não oficiais. A 15 era a Direita. A S. José era a Detrás. E a 7 era a do Fogo. Diziam que isso se devia a fogueiras que se acendiam lá para os lados do Buraco da Onça, margens do Ribeirão Lavapés. A verdade, porém, é que, em determinados trechos, nos velhos tempos, a Rua 7 tinha a residência de algumas jovens que… eram fogo!

Começava, nesses tempos, na Rua Siqueira Campos, ou do Mercado, a 7 cruzava a Sebastião Humel (ou do Meio), a Coronel Monteiro, ou do Cemitério, a Rubião Júnior… O trecho que começa na Praça João Mendes, ou Largo da Valeriana, recebeu o nome de Avenida Floriano Peixoto, encurtando a 7, sem tirar-lhe a importância.

Na Rua 7 ficava, a ainda fica, o Mercado Municipal. Existia uma pracinha, defronte a Igreja da Rua Chico Luiz, mas com a construção do mercado a dita pracinha desapareceu.

Hoje a Rua 7 é, entre a Sebastião Humel e a Siqueira Campos, uma passagem comum, mas, no restante, é o Calçadão, isto é, um dos polos comerciais da cidade, onde, aos sábados principalmente, o movimento de gente fica acentuado.

Pois nessa Rua 7 tinha seu consultório o Dr. Nélson Silveira D’Ávila, nome muito reverenciado. Ficava ao lado da telefônica, cujo centro era procurado, em casos urgentes, como doenças graves ou morte. Ali praticou durante anos o saudoso Pedro Moacir de Almeida. Perto era a casa dos Bráulio de Melo, consultório do Dr. Florence. A única livraria da cidade, a de Antero Cursino dos Santos, situava-se ali, ao lado da padaria de Terzo Rossi, irmão de Leopoldo, que dominava a Rua 15.

Benedito Braga, o encanador, morava ao lado de Salim Simão, um dos líderes do comércio local, que veio a falecer como revendedor da GM.

Ao lado do mercado havia a Casa Nassar, de tecidos e, depois, a Padaria Vulcão – do Pierino e Pilé.

Pedro David, pai dos boêmios Jamir e Pedrinho, introdutor da indústria de meias e vereador marcado pelo idealismo, Abilia Machado, matriarca de respeitada estirpe e Ricieri Pinotti, fundador da loja de vidros e molduras, hoje dedicada à decoração, eram três figuras de muita estima e respeito na velha Rua do Fogo.

Dominou a Rua 7, no princípio do século, Antero de Paula Madureira, dono da farmácia do mesmo nome, na esquina da Coronel Monteiro. Antero era poeta, escritor, criador de fórmulas químicas, como o seu famoso conhaque de Pacová. Veio a ser sucedido por Domingos Campoy Bernal, procedente da Argentina. O conhaque passou a ser fabricado por Jacob Diamante & Cia. mas, como São José não gozava de boa fama, nos rótulos dizia-se que a indústria era em Eugênio de Melo. Até houve um camarada que desembarcou da Central, no simpático distrito, e não encontrou fábrica nenhuma…

Outro destaque da Rua 7 era Glicério Galvão, o tipógrafo, que tinha ao seu lado o irmão Zico. Glicério era músico, tocava flauta e saxofone. Foi aliás quem comprou meu instrumento, quando fui proibido de soprar…

Na Rua 7 iniciou sua vida comercial Possidônio José de. Freitas, uma lojinha de duas portas, que progrediu muito.

Com o tempo a Rua 7 ganhou um personagem de truz, o libanês Daud, vendedor de frutas, especialista em bananas saborosíssimas, que me atraiam em fugas de trabalho. Bom homem, deixou descendência notável, inclusive o. Roberto, há pouco falecido.

Não poderei esquecer o fotógrafo Amaral, luso de Catanhede, casado com dona Olimpia, de Caçapava, pai de Nelson, o escritor e jornalista, autor do romance “Linha do Horizonte”, e de Dolly, que se revelou rádio-atriz de muita qualidade, além de irmã menor.

Na Rua 7 havia moradores de prol, como o jornalista Gomide Santos, grande batalhador pela autonomia de S. José e secretário da Câmara Municipal, o sargento Deodato Ramos, seu irmão Lupércio e a sobrinha Estelinha, um artista de muito valor. Na Rua 7 morava a Tereza, moça muito bonita, que adorei à distância. E os Martins – Pedro Martins Ribeiro, com as filhas mui formosas. Pedro era dono do depósito de cimento, que à noite se convertia em clube dos homens de cor, oferecendo bailes, onde, na calada da noite, cá o velho aperfeiçoava seus passos de samba, que muito lhe serviram no Exterior…

Bem, o espaço é pouco. As recordações são muitas. Se alguém ficou esquecido, me desculpe. Porque a rua (que não compromete, dizia o Gomide) vive no meu coração. Tal como a Vilaça, cheia de graça…

Rua 7 de Setembro na década de 1950.

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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente

3 thoughts on “Nos bons tempos da rua 7…

  1. Morava ali tambem, minha avó Rachel Porto Domingues, juntamente com sua cunhada Clementina e seu filho Niltinho, que era cadeirante e ficava no portão, olhando o movimento..se minha memória não falha o numero da casa era 307.
    Minha avó Rachel era conhecida por todos na região, era viuva e criou 2 filhos costurando e tomando conta de uma loja de presentes finos na Cel Monteiro.

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