Alfaiate José Benedicto Moreira (1929-2021)


São José perdeu na sexta-feira dia 5 de fevereiro de 2021 o seu mais antigo alfaiate, José Benedicto Moreira de 91 anos de idade e muita história acumulada.
Tivemos um bate papo no ano de 2015 que pode ser assistido em vídeo ao final desta matéria.
Com uma lembrança ainda muito viva, ele transmitia muitas informações sobre ocorrências em nossa história, que certamente levou consigo informações nunca antes reveladas. Mesmo sabendo que este é um processo natural, sinto-me bastante triste, pois durante a semana eu passei em frente e pensei em parar para conversar, mas o corre-corre não permitiu realizar esta que seria uma última visita.
Ele estará sendo sepultado no Cemitério do Centro no momento em que esta matéria estiver sendo disponibilizada ao público, na manhã de 6 de fevereiro.
O sr. José Benedicto certamente merece todas as homenagens possíveis, uma rua com seu nome e ter seu histórico sempre lembrado, foi um cidadão que muito fez por nosso município, deixando um legado invejável, um profissional que atuou por muitas décadas levando o sorriso aos seus clientes e amigos.


Carteira Profissional
Carteira de Saúde


Esta é uma entrevista realizada para o projeto “Sou Parte da História” realizada há mais de uma década.

Profissão: Alfaiate Nascido na Av. São José, em São José dos Campos – SP, no dia 3 de dezembro de 1929. Residencial atual: Av. Brasil, 943, Monte Castelo, em São José dos Campos – SP Estado civil: Casado, pai de 3 filhos

1 – José Benedito, vamos conversar a respeito dos alfaiates que trabalhavam em São José dos Campos, a partir da década de 30.
A – José Benedito, fale-me sobre as roupas nessa época.
Na época era costume o uso do terno. O blazer veio depois. Veio da Inglaterra. Eram os mais abastados que faziam os ternos. Eles usavam para irem à Missa, Procissão, cinema (tinha a matiné). A moda era ditada pelos adultos. Os evangélicos também. Naquela época tinham poucos evangélicos. Católicos, tinha os irmãos do Santíssimo. Na época de 30, os jovens eram Congregados Marianos, pela tradição. Lembro-me das famílias Becker, Cará, D’Ávila, Martins… Todos eram congregados marianos. As moças eram filhas de Maria.

B – Qual era o tecido preferido para a confecção dos ternos?
Era a casimira Aurora que existia nas cores azul marinho e preto. Tinha também a cambraia. Outros tecidos eram encontrados nas cores preto, marrom e cinza. O tecido tropical tinha cores mais alegres e o tecido linho era branco, azul claro e bege.

C – E as pessoas mais simples também usavam ternos?
Os mais simples faziam ternos de brim. Eram de uma cor meio bege acinzentado. Usavam o brim caqui. Naquela época era comum as pessoas irem trabalhar de terno nas repartições públicas. As pessoas não gostavam de comprar ternos prontos, porque eles ficavam deformados quando eram lavados, porque tanto o tecido do terno, quanto o do forro e a entretela encolhiam, porque eram de fibra natural. Não eram molhados antes. O alfaiate tinha o cuidado de sempre molhar todos os tecidos. As camisas que usavam eram compradas prontas. Era difícil acertar o colarinho. Para ficarem durinhos, usava-se as barbatanas. Quando as camisas eram lavadas, as barbatanas eram tiradas pela mãe da gente e se perdiam e às vezes se perdiam e tínhamos que comprar outras.

D – O tecido era caro? Quantos ternos tinha uma pessoa em média? Quantos metros de tecido se usava para fazer um terno?
As pessoas que trabalhavam tinham em média uns 3 ternos. O tecido era caro. Geralmente se usava 2,80 m para fazer um terno e 3,5 m se a pessoa quisesse também um colete.

E – De que eram feitos os botões? E as linhas?
Os botões eram feitos de madrepérola, usados somente nos ternos de linho, ou então os botões de massa. Para os blazers de lã, usava-se o botão de couro. As linhas eram de fibra natural, seda e algodão. O algodão estragava e hoje são usadas as linhas de fibra sintética. As marcas eram a Corrente e a Guterman, que perdura até hoje.

F – O que mais as pessoas usavam para compor o vestuário?
Usava-se chapéu, geralmente de feltro. Todo mundo usava. Tinha para vender na Casa São Jorge do Sr. Fuad Cury, avô de atual prefeito Eduardo Cury. Ficava na Rua Siqueira Campos, em frente a casa Confiança dos irmão Chico e José Elhage. Na época tinha um costume engraçado: todo mundo usava um canivete pendurado no cinto ou no bolso… Usava-se suspensórios, cinto, gravata, abotoaduras e prendedor de gravata, os quais eram de ouro ou prata. As pessoas mais humildes não usavam gravatas. Os sapatos eram só de couro e quando chovia usam galochas, pois o sapato de couro desgastava muito com a chuva e deixava entrar água no pé. O sapato com sola de borracha era mais caro. Usava-se meias de algodão. E bom ressaltar que em São José naquela época podemos dizer que havia 2 classes sociais.

G – Na época já tinha as lavanderias que lavavam e passavam esses ternos de linho, ou tudo era feito em Casa?
Eu me lembro de uma tinturaria que existia naquela rua em frente a Roxo Construtora, numa travessa da Av. São João (cuja casa parece-me até hoje estar lá), que era de um senhor japonês chamado Massuda e a esposa era a Dona Rosa. Lembro-me do Sr. Massuda e seu filho Nelson, entregando as roupas já lavadas e passadas, de bicicleta, com alguns cabides pendurados em um pau que levava nos ombros. Os ternos iam balançando ao vento.

H – Onde eram adquiridos os tecidos?
Nas lojas, que eram de libaneses, como o Sr. Badue Cury, Said Cury, Fuad Cury, Casa Confiança e outras. Havia também, algumas de Judeus, como a Casa Verde, que vendia terno e tinha o Salomão. O Moisés Kremer, também vendia roupas, na Rua XV de Novembro. O comércio era na Rua Siqueira Campos e na Rua XV de Novembro. Tinha também os viajantes que vendiam os tecidos para os alfaiates, e os aviamentos como botões, forro, entretela. Para calças, se usava forro de cetim, para os paletós o forro de alpaca. Nas lojas não havia tecidos bons, exceto o linho.

1 – Havia muitos alfaiates?
Sim, havia muitos alfaiates. A cidade tinha mais ou menos uns 40.000 habitantes e mais de 10 alfaiatarias. Havia o sr. Anacleto, que tinham oficina na Rua Humaitá; os irmãos Crespo, na rua São José; os irmão Bicudo – o José e o João – na Rua XV de Novembro e tinha também o Manuel Costa, representante dos Evangélicos. Ele tinha um sobrinho, o Antônio Costa, que também era alfaiate e o Manuel Gomes, ambos na Rua Siqueira Campos. O Scavazini que tinha alfaiataria na Rua 7. O Teodoro foi a mãe quem escolheu sua profissão. Foi em 1942. Ela procurou o alfaiate João Lopes, atrás do coreto, na Praça Cônego Lima. O Sr. João morava numa casa e alugava a sala para ser uma alfaiataria. Ele era marido da Professora Maria Luiza Lopes Portugal, que dava aula de preparatório para o ginásio. Ela tinha uma filha, a Maria José, que mais tarde casou-se com o filho do Dr. Pontes, conceituado advogado. Eu fui aprendiz lá… Trabalhei também com o Sr. João Bicudo, que era muito engraçado e alegre. Era pai do Hermogenes, um rapaz muito popular na cidade junto com outros de sua idade. Alfaiate trabalha muito. Hoje é mais em casa. O ganho também não é muito bom.

J – Como um jovem se tornava um alfaiate?
Na alfaiataria, primeiro se aprendia a fazer a calça e depois o alfaiate ensinava a fazer o paletó. O Teodoro, abriu uma alfaiataria na Rua Siqueira Campos. Trabalhei com ele em 1944. Em 1947, trabalhei com o Noel Campos, que tinha uma alfaiataria muito grande. Aqui onde trabalho era também uma grande alfaiataria. Agora ela está dividida ao meio.

Trabalhei no Cine Bar e até na Cerâmica Weiss. Lembro-me do Sérgio Weiss e do Leopoldo. A mãe deles era a Dona Inês.

K – Ainda tem contato com o pessoal daquela época?
Muito pouco. Só no ano passado faleceram 4 amigos.

L – Quais instrumentos você usava? Tem alguma coisa diferente hoje?
Eu usava cavaletes, fita métrica, almofadas grandes e pequenas, tesouras grandes e pequenas, esquadros, giz, lápis, carretilha, o ferro de passar roupa que já era elétrico e a máquina de costura que era Singer com pedal e a outra marca era a Pfaff. Hoje, continuamos usando os mesmos instrumentos, só que hoje já tem a máquina que faz o chuleado, e a zigue zague faz o caseado. O resto é tudo feito à mão… Hoje poucas pessoas encomendam terno. Só aqueles que saem do padrão. Hoje o que se faz mais, são consertos. Normalmente, as costureiras também fazem consertos. A alfaiataria diminuiu de volume de trabalho depois que chegaram os aluguéis de terno. Tem muitas lojas hoje. Até eu alugo terno para casamentos…

M – Onde se aprende a ser alfaiate hoje?
Antigamente, a gente era aprendiz. Tinha quem ensinava e não cobrava nada. E quem aprendia, também não pagava nada. Depois da década de 50, com a legislação que exigia que os aprendizes menores fossem registrados, os alfaiates pararam de ensinar e foram se acabando os aprendizes. E também, ficou mais fácil estudar e as crianças começaram a ir para a escola. Hoje, não tem escola para alfaiates. As indústrias absorvem a mão de obra dos jovens. Havia alguns jovens alfaiates que vinham do Sul de Minas, mas quando chegavam aqui, iam trabalhar nas fábricas.

N – Você morou em muitos locais? Lembra de algum local em especial?
Eu morei na Av. São José, perto da Igreja. Um dia, o meu pai me pegou pela mão e me levou para ver a igreja. Foi quando eu a vi todinha derrubada no chão. Era mais ou menos em 1931. Logo em seguida foi erigida a nova Matriz, penso que em 1933. Lembro-me também que havia na cidade um senhor que chamavam de Turquinho. Um dia, eu estava debruçado na janela da minha casa na Av. São José, quando vi, no fim da rua, um grande clarão. Chamei a minha tia, pois morava com ela. Minha mãe, tinha tido dois filhos em seguida, e minha tia me criava. Perguntei a ela o que era aquele clarão e soubemos que o turquinho havia morrido e como as luzes da sala estavam todas acesas e as janelas abertas, saia esse clarão para a rua. O que era bom naquele tempo é que havia pouquíssimos automóveis. Havia carros de praça.0 – José Benedito há quantos anos você está aqui, neste local, na Rua Sebastião Humel?
Há 50 anos. Antes a alfaiataria era maior. Agora está dividida ao meio. Quem passou a alfaiataria para mim, foi o Noel Campos. O prédio é alugado.


Com tanta movimentação, resolvi andar um pouco pelas ruas e descobri um homem teimoso e apaixonado. Teimoso porque insiste em não largar uma profissão em vias de extinção, a de alfaiate. Apaixonado porque se casou na igreja em maio, pela segunda vez, aos 81 anos. Agora ele pretende viajar em lua de mel. “Fiquei viúvo em 1972 e me casei novamente em 1982, mas só no civil. Agora, finalmente, entrei na Igreja de Santo Antônio com a mulher para o casamento religioso. Fiz o meu próprio terno e ficou uma beleza”, lembra José Benedito Moreira.

Ele aprendeu o ofício com os vários alfaiates que trabalhavam no centro na década de 1940. Eram 14 profissionais, hoje são apenas 2. Naquela época, eu não tinha ainda as quase 150 escolas municipais. Então, os jovens eram ensinados pelos mais velhos. A mãe de Moreira preferia que ele se tornasse craque da costura do que eficiente com uma colher de pedreiro. De tesoura francesa em punho, o homem se deu tão bem no negócio que sustentou a família e está até hoje no mercado.

“Não é mais como antigamente, quando quase todos os homens faziam ternos no alfaiate. Ainda tenho clientes cativos, mas hoje faço mais reparos”, diz Moreira. “De cinco ternos por semana, agora faço cinco por mês.” A alta costura dos meus alfaiates de antigamente seduzia muitos compradores de fora. A cidade ainda recebe muitos turistas, mas por outros motivos, principalmente a negócio. O município acolhe mais de 25 mil pessoas todos os meses em seus 40 hotéis, com seus 3.500 leitos. Há gente que veio e não quis mais ir embora.


Matéria para a revista Valeparaibano em 2011.

Publicidade para o Bej na década de 1990.


Acervo de família




Mensagem de sua nora
Ah! Meu coração continuará aos pedaços… Meu amado e eterno sogro. De um coração incrível e um sorriso encantador… Cheio de histórias que eu amava ouvir… Hoje nos deixou para viver ao lado de Deus… Descanse nos braços do pai… Quem me chamava de filha!!!” 😞😢❤️🌹

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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente



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