A revista Fon-Fon foi um semanário carioca que existiu de 1907 a 1958.
Destino
Na tarde acinzentada e triste, o dobre de um sino ecoou. Cavou o silêncio e foi rolando, rolando até se perder aos poucos, longe, nas quebradas distantes. Na sequência daquele som, outros vieram… A voz daquele sino que tangia, no alto da torre branca da Matriz, cantava o enredo de uma existência que se findara, horas atrás, entre lagrimas e soluços… Pelas ruas estreitas da pequenina cidade de São José dos Campos, um cortejo seguia, em silêncio. Na frente, crianças carregando flores, depois um esquife todo branco. Atrás, o cortejo da saudade sem consolo. E, enquanto o sino, no alto da torre branca da Matriz, dobrava a finados, num som compassado e cheio de tristeza, a cidade inteira corria a olhar o préstito fúnebre que seguia pelas suas ruas estreitas e tortuosas, atirando-lhe flores sobre o esquife branco, no adeus de uma verdadeira homenagem… No silêncio de um quarto, sentado à beira de um leito vazio, o vulto de um homem, os cotovelos fincados sobre os joelhos, o rosto escondido entre as mãos, chorava, como se fora uma criança entre ânsias e soluços. E no delírio de um desespero incontido, por vezes, erguia a fronte, fitando a imagem de Cristo, os olhos boiando em lágrimas, os lábios trêmulos, vinculado.
“Deus, tu que és bom, por que a levaste tão cedo? Por que? quando mais linda nos sorria a vida, no enredo de um sonho de felicidades… Por que a levaste contigo? Que farei eu agora no mundo?”
Os olhos parados, a face lívida, os cabelos em desalinho, era o espectro da dor que falava:
“Era quem me fazia bom. Toda a alegria de minha vida vinha da alegria dos seus olhos os seus lindos olhos verdes. A minha existência era um reflexo de sua vida. Vinham dela todos os meus melhores pensamentos… E tu a levaste; Por que?”
No alto da torre branca da Matriz, o sino emudecera. Um silêncio pesou. De fora, das ruas, nenhum ruído. O vulto do homem, que chorava como se fora uma criança, ergueu-se de súbito. Os olhos ainda parados, parados e enxutos, a face mais lívida, os lábios mais vinculados, já não tremiam, modulavam um sorriso cheio de mistério. Debruçado sobre a cômoda onde se erguia entre duas velas a imagem do Cristo, ficara a olhar, parado, numa cisma cheia de evocações doidas. Depois, um tiro surdo, o baque de um corpo. E o silêncio voltou, mais pesado, mais triste, envolvendo as cousas…
Álvaro Sodré, Revista Fon Fon, 1928
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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente