Vupt! Vapt! Pum! (Valeparaibano 1987)

A pioneira página semanal sobre quadrinhos do Brasil

Se leitor do Valeparaibano no passado e fã de quadrinhos, certamente deve se recordar dessa seção dedicada à sétima arte! Vamos então recordar em detalhes, nas palavras de seu autor, Nobu Chinen.

Nobuyoshi Chinen, escritor, redator, pós-graduado em Docência para Ensino Superior pela Faculdade Oswaldo Cruz, doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo pesquisador na área de história em quadrinhos, membro do Observatório de Histórias em Quadrinhos, da Comissão Organizadora do Troféu HQ Mix e professor universitário brasileiro.

Entre 1984 eu trabalhava como ilustrador técnico na Engesa, na sede em São Paulo, mas o departamento foi transferido para São José dos Campos, onde a empresa tinha sua unidade industrial, e eu me mudei para essa cidade onde iniciei minha vida de casado com a Toyomi. Joyce, minha filha mais velha, nasceu em São Paulo, em 1985, pois, como não tínhamos parentes na cidade, achamos mais seguro que minha esposa passasse o período de resguardo na casa dos meus sogros. Quando tivemos o segundo filho, em 1989, já nos sentíamos mais experientes e contávamos com o apoio de excelentes vizinhos e o Willy nasceu na Policlin, na avenida Ademar de Barros e é, portanto, um legítimo cidadão joseense.

Naquela época, eu era ligado à Abrademi, Associação de Desenhistas de Mangá e Ilustração, que apesar do nome pomposo, era mais um grupo de aficionados, coordenado pela professora Sonia Maria Bibe-Luyte, pioneira no estudo dos mangás no Brasil. A associação era tão despojada que  não tinha nem sede e realizava seus encontros no espaço público do Centro Cultural de São Paulo. Eu e a Toyomi íamos com certa frequência a São Paulo para visitar nossas famílias, e eu aproveitava algumas dessas idas para participar das reuniões. Comecei a me enturmar e acabei me tornando editor do Clube do Mangá, fanzine editado pela Abrademi para o qual escrevia uma ou outra nota sobre quadrinhos. Nada além de dois ou três parágrafos.

No final dos anos 1980, o jornal mais importante da região de São José dos Campos era o Valeparaibano. A sede ficava na Avenida Samuel Wainer, e, fosse de ônibus ou de carro, eu sempre passava em frente a caminho do centro da cidade. Chamava bastante atenção aquele espaço envidraçado com o logotipo do jornal no alto, visível a qualquer um que passasse na rua, onde ficava a impressora rotativa do jornal com a enorme bobina de papel em uma das extremidades.

Um dia, era o ano de 1987, tomei coragem e resolvi procurar o então editor do jornal Valeparaibano, o Nelson Homem de Melo. Sujeito muito cordial, de jeito sereno e uma voz excelente de locutor e que me recebeu sem frescura, sem precisar ter marcado horário nem nada.

Numa conversa bem rápida, mostrei os exemplares do Clube do Mangá e me ofereci para escrever sobre histórias em quadrinhos, inspirado no Caderno2, do jornal O Estado de S. Paulo, que continha matérias sobre cultura e arte e que dava espaços diários a uma seção sobre quadrinhos assinada por Alvaro de Moya, um dos pioneiros nessa área. O Caderno2 tinha um visual ousado, uma proposta muito arrojada, bem diferente do estilo mais “quadradão” do Estadão. Antes disso, notícias sobre quadrinhos eram bem esporádicas e as raras matérias costumavam sair na Folha de S. Paulo, mas, principalmente, no Jornal da Tarde.  

Para minha sorte, o Valeparaibano estava para estrear o Vale Viver, caderno de cultura e serviços, nos moldes do Caderno2. No meio da nossa conversa, apareceu o Lauro Lucchesi, um fantástico editor de arte, recém-chegado da Holanda, onde havia feito um curso de artes gráficas, e estava cheio de ideias para implantar no Valeparaibano. O Nelson disse que seria interessante ter uma seção sobre quadrinhos no novo suplemento. O Lauro concordou. Eles achavam que tinha tudo a ver com o Vale Viver e com o momento, pois os quadrinhos começavam a emergir como leitura para adultos com o surgimento das graphic novels.

Acertada a minha participação no novo Vale Viver, achei que fosse ocupar um espaço pequeno, talvez um quarto de página, mas o Nelson me ofereceu uma página inteira semanal. Para mim que não tinha tido nenhuma experiência jornalística era um desafio e tanto, mas ele me tranquilizou dizendo que seria apenas por algumas semanas até que com a publicidade preenchendo o caderno, o espaço da minha coluna seria readequado e diminuído. Era uma chance de ouro que eu não podia deixar de aproveitar, então, resolvi encarar. Além do mais, para uma página sobre quadrinhos os textos não precisavam ocupar todo o espaço e dava para usar ilustrações maiores para torná-la mais bonita e agradável. Combinei de levar duas matérias e resolvi escrever sobre dois personagens clássicos norte-americanos: Fantasma e Mandrake, que eram do mesmo roteirista, o Lee Falk. Também levei as revistas com as artes que podiam ilustrar as matérias para que fossem copiadas ou fotografadas. Para a do Mandrake fiz até um modelo da página com o personagem repetido aumentando de tamanho e foi assim que saiu.

O lançamento do caderno Vale Viver ocorreu no dia 25 de abril de 1987 e para mim foi uma experiência emocionante, pois, era a primeira vez que eu publicava em jornal. E lá na última página, estava a matéria “O Espírito que Anda”, ocupando a página inteira, com o meu nome bem discreto, o que já era uma conquista, pois, a princípio, eu nem poderia assinar porque sequer possuía curso superior e, naquela época, quem não tivesse graduação em jornalismo ou registro no Ministério do Trabalho como jornalista não podia assinar matérias.

Página de estreia da seção Vupt! Vapt! Pum!, de 25 de abril de 1987.


Dessa forma, passei a escrever regularmente. No começo, além de sair encartado na edição do jornal, o Vale Viver era distribuído gratuitamente, creio que numa estratégia comercial de torná-lo mais conhecido. Na capa, havia a informação de que a circulação total era de 50 mil exemplares e, embora não tivesse como comprovar esse dado, era um número bem significativo. O Valeparaibano era vendido em todo o Vale do Paraíba e em cidades do sul de Minas e do Rio de Janeiro.

A seção foi batizada de Vupt!Vapt! Pum!, título que, a princípio, não me agradou por lembrar o bordão do personagem Professor Raymundo, no programa do Chico Anísio, mas com o tempo, achei bacana por lembrar as onomatopeias das histórias em quadrinhos. Curiosamente, anos depois, Alvaro de Moya lançou o livro Vapt! Vupt!, uma coletânea de seus artigos previamente publicados mensalmente na revista da Abigraf – Associação Brasileira de Artes Gráficas.

A cada semana eu escolhia um personagem, uma série ou um autor e escrevia a respeito. Naqueles tempos, era muito difícil obter informações sobre o universo dos quadrinhos. Meu acervo sobre o assunto se restringia a uns 30 livros teóricos e três pastas de recortes com matérias de jornais e revistas. Uma das obras a que recorri com frequência foi a Encyclopedie de la bande dessiné, da Marjorie Alessandrini.

Minha rotina consistia em escolher o tema da matéria, coletar o máximo de informação a respeito, anotar o que achava mais interessante e só então, começava a escrever. Naquela época, os textos eram escritos a máquina, em laudas com linhas numeradas. Eu era um péssimo datilógrafo e fazer correções era muito trabalhoso. Todas as semanas, às terças-feiras, eu ia até o Valeparaibano e entregava as laudas com o texto e as revistas com sugestão das artes para a edição seguinte. Isso sem largar o emprego de ilustrador na Engesa, pois, o valor que recebia pelas matérias era muito baixo.

A bela edição de arte de Lauro Lucchesi nas matérias sobre Milton Caniff,  Winsor McCay e Philippe Druillet.

A seção de página inteira, que era para ser algo temporário foi se firmando e durou dois anos. Comecei escrevendo sobre os personagens ou autores dos quais era fã. Alex Raymond, Milton Caniff, Guido Crepax e Harold Foster renderam matérias muito ricas porque tinha bastante material para usar como fonte. O tratamento visual que o Lauro dava às páginas também era sensacional e dava um trabalho danado, lembrando que não existiam as facilidades da computação gráfica e tudo era feito de forma analógica com textos feitos em fotocomposição e diagramados a mão.

Com o passar do tempo e esgotados os nomes mais conhecidos, tornava-se mais difícil conseguir informações suficientes para gerar uma matéria minimamente consistente. Não existia internet ou outro recurso a que pudesse recorrer. Mesmo assim, eu persistia. Escrevia para as editoras e distribuidoras solicitando informações sobre uma série ou um autor. Foi dessa forma que obtive material para as matérias de Garfield ou sobre Vittorio Giardino.  

Eu continuava indo de vez em quando a São Paulo para percorrer as livrarias e editoras. Um ponto obrigatório era a Muito Prazer, livraria especializada em quadrinhos, localizada na avenida São João e tinha muito material, dos clássicos aos mais contemporâneos. Publicações novas e usadas. Naquela época, várias editoras estavam publicando quadrinhos. Passei na Globo e fui recebido pelo editor Leandro Luigi Del Manto, também fui até a Martins Fontes. Graças a esses contatos passei a receber mensalmente uma caixa com todos os gibis lançados. A Abril também mandava, mas o material não chegava até as minhas mãos, apenas os press-releases que guardo até hoje. Em uma das idas a São Paulo, passei no Estadão e visitei a redação do Caderno2 para ver se eles se interessavam em republicar as minhas matérias. Cheguei na recepção e disse que queria falar com alguém da redação do Caderno2. O recepcionista perguntou se eu tinha marcado horário. Como respondi que não, ele falou que seria impossível que me recebessem. Eu insisti, disse que tinha vindo de São José só para ter essa oportunidade. Ele deve ter ficado com pena e ligou para a redação, explicou o meu caso e alguém autorizou minha subida. Fui recebido pelo Alberto Vilas e o Jotabê Medeiros que me trataram de forma educada, mas com certo esnobismo. Primeiro, disseram que estavam ocupados com o fechamento da edição, mas que eu podia ir mostrando as minhas matérias. Lembro-me de ter respondido: “Tudo bem, não exijo exclusividade”. Ao ver os exemplares do Vale Viver que eu ia tirando da minha pasta, comentaram com ar de deboche: “Mais um Caderno2? De qual jornal dessa vez?”. Mas ao botarem os olhos sobre as páginas lindamente diagramadas pelo Lauro eles começaram a prestar atenção. Olhavam as páginas uma após a outra e se detinham em algum detalhe. Ao ver a minha matéria sobre os 90 anos da série Sobrinhos do Capitão, o Jotabê chegou a se lamentar: “Putz! Como não demos nada sobre isso no Caderno2?” Notei que eles realmente haviam gostado do material e me levaram até o Luís Fernando Emediato, que era o editor do Caderno2. Ele também achou as matérias interessantes e, numa conversa muito rápida, propôs que eu colaborasse enviando matérias por meio da sucursal do Estadão, em São José dos Campos. Obviamente, eles só publicariam de fosse material inédito, ou seja, as que já tinham saído no Valeparaibano não podiam ser aproveitadas. O Caderno2 chegou até a publicar uma nota elogiosa na seção Jornal dos Quadrinhos, mas eu não iniciei a colaboração, pois, era inviável enviar as revistas com as imagens que seriam utilizadas nas matérias, como eu fazia no Valeparaibano, sem correr o risco de extravio. Em outra ida a São Paulo, para participar de um evento sobre quadrinhos, abordei Angeli, autor de personagens como Rê Bordosa e Bob Cuspe, e entreguei algumas matérias, inclusive a que falava da sua série Chiclete com Banana. Creio que foi por sugestão do Angeli que saiu uma notinha sobre a Vupt! Vapt! Pum! na revista Circo número 8.

Notícia sobre a seção Vupt! Vapt! Pum!, publicada no Caderno2 do jornal O Estado de S. Paulo, em 21/1/1988.

Escrevi mais de 80 matérias para a seção Vupt! Vapt! Pum! até janeiro de 1989, quando iniciei o curso de publicidade na Universidade de Taubaté. Parei de colaborar com o Valeparaibano, em primeiro lugar, porque a remuneração não compensava todo o trabalho e, também, porque já tinha abordado a maioria dos autores de que gostava e, como havia comentado, era cada vez mais difícil conseguir informações para compor um texto para uma página inteira. E foi justamente a partir daquele ano que os quatro grandes jornais de São Paulo começaram a publicar páginas semanais sobre quadrinhos. Primeiro foi o Franco de Rosa com uma página na Folha da Tarde, às sextas-feiras. Depois a Folha passou a publicar sua página de quadrinhos às segundas-feiras, assinadas por André Forastieri, Rogério de Campos e Jotabê Medeiros. Também às segundas, o Jornal da Tarde tinha a sua página com matérias escritas por Alessandro Giannini, Edgar Luiz de Barros e eventuais colaborações de Alvaro de Moya. Aos sábados saíam as páginas assinadas por Marcel Plasse, Marcelo Alencar e Rosane Pavam. Em sua maioria, elas eram compostas de notas sobre lançamentos. Nenhuma discorria sobre um único personagem ou série como era o perfil da Vupt! Vapt! Pum!

Naquela época, reafirmo, não havia internet e era difícil saber a reação dos leitores. As únicas exceções eram as raras cartas em que os remetentes elogiavam as matérias. Uma delas fora enviada por Edgard Guimarães, professor do ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica, pesquisador de quadrinhos e que já naqueles tempos publicava o fanzine QI.  De todo modo, era raro tomar conhecimento da repercussão das minhas matérias. Duas oportunidades, porém, me deram muita satisfação.

A primeira foi quando encontrei com o jornalista Julio Ottoboni, que depois foi correspondente do Estadão em São José, na redação do Valeparaibano. Ele não era de São José e disse que toda vez que retornava para sua casa em São Paulo, levava alguns exemplares do ValeViver para os amigos e eles eram disputados por causa das minhas matérias.

A segunda aconteceu muitos anos depois, quando nem escrevia mais as matérias, em uma entrevista de emprego na DM9, então a melhor agência de publicidade do Brasil. Quem me entrevistou foi o Carlos Domingos, que depois se tornaria diretor de criação premiado e sócio da agência AGE. Eu mostrei meu portifólio e, entre os materiais, eu levava algumas páginas da Vupt! Vapt! Pum! Ele perguntou se eu tinha cópias adicionais daquelas páginas e eu perguntei se ele conhecia. A resposta foi: “Eu coleciono, mas não tenho todas”. Eu não sabia, mas ele era de São José e leitor e fã da minha seção. Infelizmente, não fui contratado e não tive oportunidade de levar as edições que faltavam ao Carlos.

Após deixar de escrever as matérias, passei vários anos sem me envolver com os quadrinhos, apesar de continuar muito interessado neles. Ainda lia bastante e, quando podia, adquiria livros teóricos sobre o assunto.

Nobu Chinen (agosto de 2021)


Somente em 2003, quando comecei a participar dos colóquios do então Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos da Escola da Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (NPHQ da ECA-USP), atualmente denominado Observatório de Quadrinhos, é que retomei o entusiasmo e a vontade de me aprofundar no tema. Foi por influência dessas reuniões que decidi fazer uma pós-graduação tendo como objeto de estudo as histórias em quadrinhos e concluí o doutorado em 2013 com o tema Personagens Negros nos Quadrinhos Brasileiros. Atualmente, faço parte da comissão do HQMIX, a mais importante premiação do ramo; sou coorganizador das Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, evento acadêmico realizado na ECA-USP; integro o conselho editorial da revista 9ª ARTE, publicação acadêmica dedicada aos quadrinhos também da ECA-USP; e introduzi e ministrei três disciplinas sobre quadrinhos no curso de graduação de Produção Editorial da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), entre 2019 e 2021. Em 2021, fui um dos jurados do prestigiado Prêmio Jabuti, na categoria Histórias em Quadrinhos.

Participei de diversos livros teóricos sobre quadrinhos como autor ou coautor, escrevi várias matérias para revistas, venho ministrando palestras e produzido vídeos e participado de eventos e seminários sobre o assunto. Em suma, estou envolvido com o campo dos quadrinhos, notadamente, na área acadêmica, de uma forma que jamais imaginei, mas sem nunca me esquecer de que a primeira experiência consistente e regular com as histórias em quadrinhos foi a inesquecível e fantástica oportunidade que o Nelson e o Lauro me propiciaram no jornal Valeparaibano. A eles, minha eterna gratidão.

1ª Expo Quadrinhos do Vale, na ADC Johnson & Johnson em São José dos Campos nos anos 80



9ª Art, evento dedicado ao universo dos quadrinhos que acontece no Vale Sul Shopping em 2010

Turma dos quadrinhos no evento Arena Game Show no Vale Sul Shopping em 2015


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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente

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