Manoel Ricardo Junior nasceu em São José dos Campos em 1853, foi um farmacêutico e poeta. Residiu na Rua 15 de Novembro n.º 30, filho de Manoel Ricardo Leite da Silva, negociante de nacionalidade Portuguesa e Gertrudes Gulart natural do município. Faleceu 04/12/1943.
Estávamos no princípio do ano de 1900. São José dos Campos, era então um insignificante lugarejo que dormitava letárgico, sem progresso e sem movimento, a margem direita do Rio Paraíba, serpenteando sinuoso como um ofídio de prata líquida, entre o verde-escuro da floresta semivirgem, espessa e farta de luz. No alto, na planície, donde se podia contemplar, de um lado as longínquas serranias do “Serrote” e doutro, o dorso imensuravelmente magestático da “Mantiqueira”, enxergava-se o casario branco, rarefeito e de modesta construção, bem característico das pequenas localidades brasileiras. No aludido casario humilde e quieto, vivia uma diminuta população, aonde nas noites de luar, apareciam os poetas e seresteiros notívagos, dirigindo loas e rimas às tímidas e retraídas donzelas de antanho. Entre esses bardos joseenses daquele tempo, destacava-se, pela fertilidade da sua inspiração, Manoel Ricardo Junior. Moço inteligente, simpático e culto, além disso, muito benquisto, era, por assim dizer, o florão dos rapazes do povoado.
As suas estrofes, vibrantes de imaginação e de beleza, ecoavam frequentemente nas serenatas dos moços da aldeia, dando largas ao seu espírito liberto da mesquinhez das convenções locais e enchendo de sonhos as pudicas donzelas casadoiras, imersas em seus leitos virginais. Os namoros se resumiam então, pelo que dizem os contemporâneos, nos olhares furtivos e os casamentos, a maior parte das vezes, realizavam-se por intervenção dos pais severos e drásticos. Era a excessiva moral da terra.
Eram os costumes rígidos, que não toleravam e nem permitiam as afeições livres e espontâneas, os idílios sem peias e o amor sem grilhões. Foi precisamente nesse tempo de hábitos tão rigorosos e severos, que apareceu nesta cidade a jovem Silvia, a qual, no dizer do poeta que a decantou no belo soneto nela inspirado, era uma moça belíssima, mas de maneiras libertinas e chocantes. Os escândalos e os amores ilícitos daquela moça adventícia, ecoaram então como uma bomba, na pacatez rotineira da nossa comunidade, tão impregnada de preconceitos e reservada nos seus hábitos sociais. Naturalmente, quase todo o povoado começou, desde logo, a hostilizar a jovem, reprovando-a o mais possível. E um dia, ela, com certeza, sentindo mais do que nunca, a ojeriza coletiva, as hostilidades daquele meio ambiente, desapareceu da cidade como por encanto, para gaudio das matronas sisudas e dos chefes de família. Esse desaparecimento, foi um alívio para todos que aqui habitavam. Isto é, não bem para todos, pois Manoel Ricardo Junior, o poeta sensitivo e emocional, moço de espírito mais evoluído e culto, e de alma sempre atenta para as belezas da vida, (como ele o foi durante toda a sua existência) já havia notado na estranha itinerante, o “seu perfil suave”, os seus olhos “negros como noite de procela”. E por isso, com um interesse todo especial e carinhoso para com a jovem libertina, fez dela a inspiradora de sua musa, escrevendo o soneto…
SILVIA!
Ninguém sabia ao certo a origem dela; nem como aparecera ou donde vinha. Surgira, qual no céu surge uma estrela, como surge no espaço uma andorinha… Tinha o perfil e os olhos tinha tão negros como noite de procéla… Vivia pelos alcouces tão mesquinha, tão mísera que causava pena vê-la… Um dia, sem deixar sequer rastro sumiu-se! A terra é imensa e o céu é vasto… Sumiu-se como bruma que se esvai… mas, dizem que na véspera, aos pés dum velho a viram soluçando, ao chão de joelhos… E esse velho, enfim, era seu pai.
Como não poderia deixar de ser, este soneto causou também murmúrios censurosos e reprovações. Certamente não faltaram naquela ocasião, para recriminar o poeta, as censuras a meia voz, os olhares repreensivos e repulsivos. Contudo, ele, espírito bem superior ao meio onde vivia, fez, com os seus versos, perdurar até agora, em nossa lembrança, além do seu estro admiravelmente independente, o nome daquela jovem depravada, linda e desconhecida. Enquanto isso, os nomes de tantas donzelas pudicas e honradas daquele tempo, não obstante a virtude moral que as exornava, esvairam-se no esquecimento. Foram, sem dúvida, o poder da inteligência e a força criadora da inspiração, deificando uma pária da vida.
Manoel Ricardo Junior, nasceu em São José dos Campos, a 3 de maio de 1854. Foram seus pais Manoel Ricardo Leite da Silva e Da. Gertrudes Gulart. Deixou viúva, Da. Hermínia Berta Ricardo Lehmann, com quem teve dois filhos, Mauro e Maria Ricardo Lehmann e faleceu aqui mesmo, em 4 de dezembro de 1943. Foi ele, uma espécie de relicário das tradições de nossa terra. Elemento culto, liberal, sagaz e inteligente, poeta e jornalista, ninguém mais do que ele, conheceu e compreendeu São José dos Campos de várias épocas sobre todos os seus aspectos. Aqui passou toda a sua existência, tecendo loas a tudo que o rodeava, como um embevecido que sempre foi da nossa cidade, dos seus hábitos e das suas cousas. Como poeta, mavioso e inspirado, que era, deixou inúmeras produções esparsas em jornais e revistas, produções essas, que, reunidas em livros, dariam muitos deles, que poderiam fazer inveja a alguns poetas de renome. Foi modesto, mas sobretudo um profundo observador do ambiente e dos homens que o circundavam, gozando do seu grato convívio, sempre afável e acolhedor, sentindo nas suas palavras e nos seus escritos de jornalista de recursos, os transbordamentos de uma inteligência esplêndida, exteriorizações de sua alma de escólio. Nós que, tivemos a ventura de tê-lo como mestre nos primeiros passos do jornalismo, que muitas e muitas vezes, nos sentimos contagiados pelo amor acendrado que ele dedicava à esta gente e à nossa terra, sentiríamos remorsos, se não aceitássemos o gentil convite dos confeccionadores deste álbum, para p escrevermos acerca de Manoel Ricardo Junior.
Que Deus, a alma dele e os nossos leitores, nos perdoe portanto, o pretendermos focalizar com tão exíguos recursos, tão relevante individualidades desta terra, que tantas e tantas vezes, a enalteceu nas suas estrofes admiráveis, impregnadas de inspiração, maviosidade e de beleza!
Livro de 1951
Durante meio século, ou mais, foi a sentinela da rua 15. Conheço-o, já setentão, meão calva imensa, nariz aquilíneo, olhos cerúleos e a barba branca, em bico. Fechou a farmácia quando seu filho Mauro, o rei dos boêmios, para quem só mulher interessava, não quis assumir a direção do estabelecimento.
Manoel faz versos românticos, remanescentes dos tempos de Castro Alves. Tem uma vivacidade intelectual de fazer inveja. Os inteligentes não envelhecem…
Nos seus bons tempos, passa uma jovem e diz:
— Que farmácia horrível!
E ele, que estava meio oculto:
— É o reflexo do seu olhar, Rabicó.
O apelido pegou, porque a jovem trazia cabelos imensamente curtos…
Em sua doença, era comum sairmos à noite, voltando madrugada alta. E quando mamãe perguntava onde andáramos: — Visitando o Manoelzinho…
Um dia Celita conta novidades do Madureira, professor aposentado.
— Ele, agora, lê, visita as filhas, também não deixa de visitar o Manoelzinho…
Mamãe, que já descobriu por onde andávamos, sob pretexto de estar com o doente, exclama:
— Também ele! Um homem daquela idade!
Do Livro de Altino Bondesan
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