O trote do lançamento do foguete à beira do Banhado (1958)

Depois de amanhã, finalmente… O lançamento do Satélite Artificial joseense (09/09/1958)

Foi com certeza um filósofo já curtido pelas ingratidões do mundo quem afirmou com tanta sabedoria que “santo de casa não faz milagres”. E não faz mesmo! Mais uma prova a confirmar a assertiva está no fato de ninguém acreditar, em São José dos Campos, que nossa terra seja capaz de produzir satélite artificial para brincar de esconde-esconde nos espaços siderais com os “Sputnik´s” e “Explorers” que não explodiram em terra.

A verdade, porém, é outra, e a Casa Diamante é testemunha. Numa das vitrines da filial da Rua 15, bem próximo a um magnífico “alta fidelidade” (Cr$100,00 o cartão, por sorteio) sobre moderna mezinha, repousa, calmo e silencioso como um cisne, a maravilha eletrônico-estratosférica dos alunos de engenharia aérea e interplanetária do ITA que na próxima quinta feira viajará para o espaço num foguete de três estágios também de fabricação joseense.

O lançamento que ia ser mais ou menos secreto, foi adiado ou antecipado (não sabemos bem) em virtude de brusca transformação nas baixas camadas atmosféricas, nas últimas 24 horas, devendo ser realizado em grande estilo na próxima quinta-feira, em horário que será previamente anunciado e rigorosamente controlado pelo observatório de GreenWich e pelo Serviço de Espionagem Aéreo do Comendador Remo Cesaroni, diretamente da Vila Ema.


Vai subir o satélite artificial joseense atrás da igreja Matriz, à beira do Banhado

Ao centro, o professor Cechini e o Brigadeiro Piva (com o bumbo) diretor do CTA na época. Turma de 1958.


Foguete de dois estágios para colocar na órbita o satélite dos engenheiros do ITA.

É natural que o engenho exposto na vitrine da Casa Diamante, assim como a informação de que tratava-se de um satélite artificial, que subirá por um foguete de dois estágios, aguce a curiosidade pública e plante no espírito de todos, uma interrogação repassada de espanto: Será verdade?

Como convém a quem lida com satélites, todos se “fecham em copas” e guardam a respeito do assunto, o mais rigoroso sigilo, mesmo porque alguns antigos e fiéis seguidores de Carlos Prestes já estão de orelha em pé e nariz no ar, farejando informações, para serem remetidas em telegrama cifrado ao sr. Nikita Kruchev.

Seja lá como for, o povo de São José dos Campos, no dia a ser previamente anunciado terá oportunidade de presenciar (de corpo presente) a uma cena comum em Cabo Canaveral ou o satélite ganhará os céus joseenses, entrando na órbita acessível somente ao telescópio do sr. Remo Cesaroni, ou explodirá… Seja como for, os engenheirandos querem comemorar o seu “centediário” como convém a um ano geofísico internacional.

O foguete teleguiado que transportaria o satélite RX-1, nas dependências do ITA.

Na festa dos centediários dos engenheiros do ITA, considerável massa popular concentrou-se atrás da igreja Matriz, para assistir ao lançamento do satélite.

Ouviu-se um chamado em português macarrônico e voz transcedentalizada pela distância informou ser comunicação de “Cap Canaveral”. Pouco depois, sotaque germânico dava sinal de vida em Berlim (a ocidental). E os “sábios” engenheiros do CTA, iam anotando tudo, escrevendo tudo, em números e cifras intraduzíveis, hieroglíficos. O povo se comprimia em torno do imenso charuto metálico e reluzente, que apontava para o alto, para os caminhos já percorridos pelos seus colegas americanos e soviéticos. E todos, de olhos arregalados, aguardavam os resultados daquela estranha experiência, estranha e misteriosa.

Num dado momento começou a contagem dos segundos, de dez para zero, culminando num zumbido e uma nuvem de fumaça, que envolveu o foguete e toda a praça. Depois foguete subindo, mas vulgaríssimos e comuníssimos foguetes de missa de comício, foguetes desses de festas de arraial… E fogos de artifício que desfolharam pétalas de luz colorida na noite fria.

E o povo (já que não havia outro remédio) riu. Riu e aplaudiu.

O TROTE DO SATÉLITE

Os estudantes do ITA, todos os anos, realizam a comemoração do “centediário”, ou seja, cem dias de formatura. Essa comemoração sempre reveste um sentimento de originalidade. Este ano entenderam os estudantes de satirizar o “satélite”, o “satélite” que não sobe, que apenas fica na explosão e… na agonia da decepção. E pelo menos, o arremesso do satélite joseense, foi bem sucedido… porque alcançou sua órbita: deu à comemoração anual do “centediário”, uma atualidade marcante e revestiu a patuscada dos estudantes de um sentido originalíssimo.

Os preparativos.
O lançamento.

Alunos do CTA festejam uma data de maneira singular

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 11 de setembro (Do correspondente, pelo telefone)

Verdadeira multidão reuniu-se hoje, cerca das 20 horas, nos fundos da igreja-matriz e adjacências, a fim de assistir ao anunciado lançamento de um satélite artificial construído pelos alunos do Centro Técnico de Aeronáutica. Esse acontecimento destinar-se-ia as comemorações do centésimo dia, entre os que faltam para a data de formatura dos engenheiros formados neste ano pela CTA.

Numa plataforma móvel, havia um foguete de aproximadamente 4 metros de comprimento por 20 centímetros de diâmetro na base. Numerosos aparelhos de verificação, de transmissão e de recepção, radar etc, estavam montados sobre uma armação sobre uma armação de madeira, e toda essa complicada aparelhagem recebia o foco direto de vários holofotes localizados nos altos da casa paroquial.

Um carro de bombeiros mantinha-se alerta para qualquer emergência. Durante quase duas horas, a assistência manteve-se firme, presenciando os preparativos que antecediam o “lançamento” do satélite. Pelos alto-falantes lá instalados, ouviam-se descrições pormenorizadas dos acontecimentos, ordens e contra-ordens, em sua maioria cifradas, verificações de tempo e temperatura com aparelhos eletrônicos ultramodernos, enquanto espocavam os “flashes” dos fotógrafos e se ouviam sinais de Morse e de transmissões interespaciais.

o foguete propulsor era objeto de continuadas verificações, e sua posição modificada amiúde; aparelhos de precisão registravam a localização em relação às estrelas, e tudo era feito com tal seriedade e com tal abundância de pormenores técnicos, que ninguém duvidava do êxito da empresa. Avisos frequentes eram transmitidos aos espectadores de que não corriam nenhum perigo, porquanto o desprendimento de fumaça e os ruídos que se ouviriam no ato de arremesso do satélite não poderiam causar danos.

E assim foi chegando a hora do lançamento, medida por cronômetros, e, as 21:45, elevaram-se para o céu milhares de fogos de artifício, em meio a grande alarido, com que os estudantes de engenharia davam vazão ao seu contentamento, ao mesmo tempo em que soavam tambores e clarins e se iniciava ruidosa passeata pela cidade.

Centenas de automóveis haviam atravancado as ruas centrais da cidade. Milhares de pessoas deixaram seus lares. Todos acorreram à rua, acreditando até o último momento que o foguete subiria.

O foguete teleguiado que transportaria um satélite artificial…

Só porque o satélite não subiu…

Os moços do Centro Técnico de Aeronáutica, realizaram uma “perúada”, relativo à comemoração que entre eles se tornou tradicional, qual seja, a dos cem dias da formatura e o “centediário”. Há um seu esforço em parecer, todos os anos, original, mas de uma originalidade de superar e ultrapassar às expectativas e de superar o que se fez no ano anterior. Daí essa história do lançamento do satélite, pensada e executada com requintes de dramatização ,que chegaram a convencer aos menos avisados de que aquele reluzente “foguete” ia partir, levando aos espaços siderais o satélite de uma cidade do interior de São Paulo… Dir-se-ia mesmo que em um sem número de cidadãos desta feliz São José dos Campos, despertou um novo Icaro, ansioso por ganhar as alturas, não nas asas de cera do primeiro pretenso voador da história da humanidade, mas na engrenagem complicada (e mentirosa) daquela bola de vidro que esteve durante vários dias, roubando as atenções do povo, aos “bibelots” da Casa Diamante.

Depois que se consumou a patuscada, eclodiu em alguns a revolta que lhes causou a própria esperança frustrada, de ir correndo à Taubaté, contar ao invejoso de nosso progresso, que São José dos Campos tinha um satélite lá em cima, marchando no vácuo ao lado das “laikas” soviéticas. E como esperança frustrada, esse desencanto de ver se diluir em fumaça o que acreditamos ser verdadeiro. É coisa muito dolorosa, manifestaram o seu ressentimento, inclusive em telefonemas, cartas e pessoalmente, aos redatores deste jornal e da ROTATIVA E-5, desejosos de que fizéssemos o registro da coisa, de forma contundente aos engenheiros do CTA, a quem culpam de ter zombado do povo. Ora, tal atitude, antes de mais nada de intransigência e de falta de esportividade, não só lesaria ao bom senso, como não faria jus aos vernizes de civilização moderna que cá ostentamos.

Complicados aparelhos, inclusive radar, foram transportados para a rua, a fim de melhor impressionar a assistência.

A “perfiada” sideral dos engenheiros do CTA teve um sentido, que julgamos encerrar até alguma profundidade filosófica. Não foi só uma caricatura das tentativas de Cap Canaveral. Não foi só a sátira de homens que tentam alcançar os astros, sem ainda ter merecido sequer a terra que pisam… Foi também a advertência de que tudo é fumaça que se dilui, é foguete que espouca no ar e se apaga na escuridão da noite… e sobretudo é carnaval que cansa o corpo, mas no caso alegrou ao espírito.

Alguns outros mais radicais ainda na revolta contra os moços, insistem em lavrar um protesto, contra a utilização de veículos militares e gasolina para movimentar esses ditos veículos, para uma brincadeira dessa natureza, mas temos certeza que não nem por uma e nem por outra coisa: é por causa daquela decepçãozinha de quinta feira, só porque o satélite era uma espécie de “enganei um bobo, na casca de um ovo”… e afinal, ninguém gosta de ser enganado. Mas admitamos que o uso dos veículos, dos materiais e da gasolina, fosse legitimo. Admitamos só para argumentar.

Neste país, neste estranho e assustador Brasil dos contrastes o povo se amolda e se acomoda às maiores barbaridades e até aos maiores crimes, a ponto, às vezes, de aplaudir aos seus responsáveis. Se amolda e se acomoda ao desvio do seu próprio dinheiro, nas negociatas acobertadas pela capa oficial. Tolera e chega até a justificar, todas as aberrações, todo o desvio do bom senso. Ora, neste clima, nestas condições, com que autoridade podemos condenar a brincadeira inconsequente, à piada estudantil, para levar os engenheiros ao pelourinho pelo crime de “lesa-pátria”? Só porque meçando pelo lugar certo e não vestindo a roupa colorida dos bufões, só porque, afinal, o satélite de brinquedo não subiu…

Matérias extraídas no jornal Valeparaibano de 9 a 13 de setembro de 1958 e do jornal O Estado de São Paulo de 12/09/1958

“Sputnik” brasileiro põe São José em pânico

Na noite de 11 de setembro, milhares de pessoas se concentraram-se num descampado atrás da Igreja Matriz de São José dos Campos (São Paulo), para assistir a um acontecimento sensacional: os engenheirandos do Instituto Técnico de Aeronáutica iam lançar, num foguete de dois estágios, um satélite artificial. A instalação da rampa começou de manhã, num clima de nervosismo. Pouco antes da meia-noite, ouviu-se o sinal: “Agora!”

Estudantes-cientistas, vestidos de asbesto, fazem os últimos preparativos.

Momento de emoção. O foguete de dois estágios chega ao local de lançamento em um caminhão especial

Os engenheirandos anunciaram com antecedência o lançamento do satélite. A princípio, muitos descreram. Mas todos mudaram de opinião, quando viram, exposto numa vitrine, o enorme foguete de dois estágios, em cujo nariz subiria o “Sputnik”. Parecia, em tudo, igual aos aperfeiçoados foguetes das fotografias de Cabo Canaveral.

Desde as 10h da manhã, o local escolhido para o lançamento começou a mudar de feição. Os estudantes do Centro Técnico de Aeronáutica iniciaram a instalação de complicados aparelhos, antenas parabólicas e hiperbólicas, caixas metálicas com ponteiros e mostradores de precisão, que emitiam sinais misteriosos. O nervosismo tomava conta da população, que acompanhava, com profundo interesse, os preparativos. A noite, ainda cedo, começou a concentração popular nas imediações. O povo foi mantido a certa distância pelos cordões de isolamento.

Astrônomos de São José, com telescópios e lunetas, foram para o local, acompanhar a trajetória do foguete e a entrada em órbita do satélite.

Logo, os alto-falantes começaram a reproduzir comunicações de Cabo Canaveral, Moscou e Berlim, para onde os lançadores do “Sputnik” brasileiro estavam enviando mensagens pelo rádio. O clima de tensão aumentava, minuto a minuto. E foi nesse clima que a multidão viu chegar o R-X1, conduzido em caminhão especialmente adaptado e precedido de um carro do Corpo de Bombeiros. Novas mensagens para Cabo Canaveral, Berlim e Moscou, que respondiam: Estamos alertas!Esperamos. No descampado, os astrônomos e estudiosos de astronomia da cidade mantinham-se na expectativa. Haviam conduzido, pela Avenida São José, seus telescópios e lunetas, para acompanhar a trajetória do foguete.

Momento de emoção. O foguete de dois estágios chega ao local de lançamento em um caminhão especial.

Aproxima-se a hora. Sinais estranhos são ouvidos, partindo dos complicados aparelhos. Luzes vermelhas piscam. Cabo Canaveral, Berlim e Moscou avisam: “Estamos prontos! Silêncio completo, apenas cortado pela sirene do carro do Corpo de Bombeiros, que anuncia o minuto decisivo. Começa a contagem dos segundos: oito… sete… dois… um… Zero!

A multidão eletrizada, os astrônomos de olho colado aos telescópios. Uma nuvem de fumaça envolve o foguete. Estouram três pequenos adrianinos E então começam a soar os pandeiros. Os cientistas despem as roupas de asbesto, rompem-se os cordões e tem início o carnaval. A multidão esquece o logro em segundos e também começa a cantar. Era a festa do “centediário”, comemorando os cem dias antes da formatura, que os estudantes do ITA fazem todos os anos e que sempre começa com uma “grande ideia”, da qual só eles têm verdadeiro conhecimento até o momento da realização. Muita gente, porém, ficou zangada com o fato de ter sido assim enganada e de São José dos Campos não ter entrado para a crônica do Ano Geofísico Internacional.

Contam-se os segundos finais: zero! Uma nuvem de fumaça envolve o R-X1.

Texto de Joacyr Beça
Foto de Angelo Rosa

Revista Manchete (RJ) edição 337, 1958

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