A dificuldade em se folgar no trabalho no início do século passado

Antes da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, CLT, o cidadão passava por situações muito difíceis, e claro, não se vive um mar de rosas, porém, já foi mais difícil do que se imagina, um período onde não as próprias folgas corriam riscos. O jornal O Caixeiro, um jornal joseense em favor dos empregados do comércio já os defendia em 1905, contra uma possível ação de perda do único dia de folga que restava ao trabalhador, acompanhe abaixo as 3 matérias do jornal sobre o assunto.

UM APELO AO SR. PREFEITO MUNICIPAL

Não só de agora, com de há muito tempo, aqui em São José, como em todo o Brasil, é costume os poderes competentes criar leis, que promulgadas, ficam no olvido, sem execução; ou então, quando executadas, é isso feito com tanto abuso, parcialidade ou desrespeito, que melhor seria a não existência de tais leis que, em lugar de ser uma garantia do direito de todos; é antes um prejuízo para a maioria.

Neste caso está a lei sobre o fechamento das portas dos estabelecimentos comerciais as quintas-feiras ao meio dia, que a nossa ilustrada câmara criou à pedido ou com aquiescência dos senhores comerciantes.

Muitos negociantes, escravos dos seus deveres e respeitadores das leis e assim dos seus e dos alheios direitos; de acordo com o que preceitua essa lei, logo no sinal de meio dia, na Matriz, fecham os seus estabelecimentos e dão aos seus empregados o pleno uso da folga que a mesma lei lhes concedeu.

Outros muitos há, porém, que, com o maior desplante fazem timbre em cumpri-la. Conservam aberta uma porta do seu estabelecimento e obrigam o infeliz empregado a conservar-se até à noite, vendendo, como nos outros dias da semana.

Ora, mesmo que esses homens ficassem no balcão, cativos de sua ganância e pelo nenhum escrúpulo em respeitar a lei, e permitissem a seus empregados o gozo do direito que a lei lhes concedeu, não seria isso honesto ou decente.

Mas como se diz, “cesteiro que faz um cesto, faz um cento”, eles, que cometem um desrespeito à lei, cometem muitos outros em seguida.

Desrespeitam os deveres que devem um aos outro, os membros de uma classe, desrespeitam a sociedade, dando um mau exemplo e desrespeitam o direito que a lei concedeu aos seus empregados.

A classe caixeiral de São José dos Campos, é em grande parte prejudicada por esses homens que não obedecem a lei e nós, como órgão dessa honrada classe solicitamos para ela, as vistas do ilustrado prefeito municipal para o fiel cumprimento da lei que determina aos negociantes fechamento das portas dos estabelecimentos comerciais, as quintas-feiras, ao meio dia.

Não pretendemos delatar ninguém, nem o sr. prefeito precisa de um denunciante para conhecer as infrações das posturas municipais, por que tem S. S. dons ou irem fiscais a quem isso compete; mas daqui, destas colunas, declaramos que há negociantes que não respeitam essa lei, que negociam em seus estabelecimentos durante todos os dias de quinta-feira, como nos demais da semana.
Justiça, Sr. Prefeito!

Jornal O Caixeiro, 17 de agosto de 1905

FECHAMENTO DAS PORTAS

Não acreditamos em boatos, nem tão pouco damos credito ao que, particularmente, nos foi revelado.
Assim procedemos, baseados no espirito altamente progressista da nossa Municipalidade, que temo restrito dever de visar os interesses do povo e de todas as classes sociais.

Para a classe que defendemos estamos de atalaia; os nossos interesses serão defendidos, nos apoiando na ordem natural social, emanada da Capital Federal. São Paulo e de outras cidades do interior.

E incrível, mas nos vem de fonte pura, de pessoas que convivem em uma coletividade, que a resolução, há 3 anos promulgada pela nossa Câmara, relativa ao tecimento das portas do comércio, vai ser revogada!

Não, não podemos acreditar.

Em todas as classes, os operários em geral, as forças da terra e mar, os artistas, os padeiros, os tipógrafos, os jornalistas, os empregados públicos e até os SENTENCIADOS A PRISÃO COM TRABALHOS, tem uma folga, um descanso para o corpo, um descanso para o espirito; nós, CAIXEIROS, fieis empregados, guardas de nossos patrões, devemos ficar sujeitos ao cativeiro?

Não! Nunca!

É incrível, mesmo, mesmo que tal aconteça, porque São José dos Campos caminha desassombradamente na senda do progresso e não deseja ver revogada uma resolução que veio plantar no seu comércio sólido e ativo a árvore da sua evolução civilizada!

Não nos convencem, sejam quais forem as provas em contrário, porque o comerciante, soberano no seu estabelecimento, tem a sua folga diária, entregando ao CAIXEIRO a guarda da casa!

Não podemos admitir ei que uma medida de regresso social, uma medida vexatória seja posta em prática, quando em São Paulo a Municipalidade tomou providências sobre o fechamento do comércio, diariamente, as 8 da noite.

Não tem cabimento a que pretendem fazer, porquanto na nossa capital, onde há comerciantes católicos e acatólicos, o comércio fecha-se até nos dias santificados, não havendo lei para tal fim!

Retificam bem os srs. Vereadores, cada um consulte a sua consciência, os que são negociantes ponham a parte o interesse pessoal, que é MESQUINHO, e vejam se estamos ou não com a razão?

Infeliz classe!

Apelar para quem?

Agora, uma medida, embora contra nós, mas ainda mais lucrativa no comércio.

Não nos deem o descanso as quintas-feiras, contentamo-nos aos domingos, das 4 horas da tarde em diante.

Também temos o nosso orgulho, o nosso amor próprio, defendemos o nosso direito, mas não suplicamos, não pedimos uma esmola e nem Misericórdia!

Contamos com os nossos confrades d’ Cidade e d’O Progresso; aquela que bateu-se denodadamente, cujos redatores foram incansáveis para a resolução do fechamento das portas; o este que estamos certos, não nos abandonará, fiel ao seu programa e independência.

Contudo, aqui deixamos o nosso protesto, enérgico e forte, como forte é o nosso direito.

Esperamos, finalmente, que não passe de simples boato ou de mesquinha intriga, o que se diz sobre a revogação da resolução Municipal, sobre o fechamento das portas.

Continuaremos, caso seja preciso.

Jornal O Caixeiro, 26 de outubro de 1905

SOBRE O FECHAMENTO DAS PORTAS

Seja qual fosse o juízo que a nosso respeito fizessem, estamos convencidos de que cumprimos o nosso dever.

Sabemos, porém, que a ideia aventada, partiu de um negociante, em vista do abuso praticado por outros, não observando disposição da lei, que proíbe as portas dos estabelecimentos comerciais abertas as quintas-feiras, depois do meio dia.

A culpa, está visto, não é dos infratores, mas sim do fiscal que tem a restrita obrigação de percorrer a cidade, multando o comerciante que negociar depois da hora proibida por lei municipal.

O caso é muito patente e, embora defensores da classe, somos os primeiros a reconhecer o abuso praticado por muitos que julgam tirar o lucro com os vinténs de aguardente, vendida às escondidas.

Estamos certos que, se a vigilância for rigorosa, o mal será sanado e ninguém mais terá a “feliz” nova de apresentar indicação pedindo a revogação da lei, sobre o fechamento das portas.

Vem ao caso:

Em Paranaguá, a Câmara votou uma resolução, que promulgada, obteve os maiores encômios. Sendo naquela cidade muito grande o movimento aos domingos, as segundas-feiras são destinadas ao descanso do comércio, abrindo-se este depois de uma hora da tarde.

A sua utilidade está bem patente, porquanto o trabalho insano no domingo, mortifica o corpo do empregado, mais traquejado que esteja na vida do balcão; as quintas-feiras, das quatro horas da tarde em diante, os empregados tem a folga para o descanso do espirito, empregando as tardes e parte da noite, nos clubes e sociedades literárias.

Excelente medida, que servirá de vivo exemplo a muitas municipalidades.

Hoje, se a nossa classe fosse solidária, unida, a liga seria forte e poderosa; nesse sentido venceríamos todos os obstáculos que se nos antepusessem.

Não dizemos como ofensa, mostramos desse modo, que temos elementos para de sobra repelir todo e qualquer ataque.

Ainda uma vez confiamos nos nossos representantes na municipalidade, certos de que não votarão resoluções vexatória, em detrimento a classe laboriosa.

Jornal O Caixeiro, 2 de novembro de 1905



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