A história de São José pt.1 (1978)

Em 1978, o extinto jornal Valeparaibano lançou um caderno especialíssimo sobre o aniversário do município, e esta interessante compilação será publicada aqui integralmente. Boa leitura!

São José dos Campos através de 413 anos

A tradição é tão importante, que o próprio Deus, no Livro do Êxodo, disse a Moisés, quando da instituição da Páscoa, o seguinte: “Guarda este (preceito) como uma lei para ti e teus filhos perpetuamente” (cap. XII vers. 24), mandando que as cerimônias da Páscoa fossem transmitidas de pais para filhos. oralmente, pois não existia na época escrita ou imprensa e nem mesmo um alfabeto de livre conhecimento. Quase tudo, entre o povo hebreu, era transmitido de geração para geração, pela tradição.

Também, quanto à companhia de Jesus, depois que os sequazes do marquês de Pombal queimaram os seus arquivos, restou a tradição do povo, para muitos fatos históricos em que os jesuítas estiveram envolvidos, como acontece no fato particular de São José dos Campos, cuja primeira aldeia, às margens do rio Comprido, confluência com o ribeirão Varadouro, diz a tradição de 400 anos, foi fundada pelo Padre Anchieta.

A tradição pode aumentar ou diminuir alguma coisa de um fato ou de um relato, porém, jamais levará para a frente aquilo que não se baseie em alguma verdade.

Ora, a afirmativa de que Anchieta foi o fundador da aldeia de São José do Rio Comprido, resiste há quatro séculos e, além disso, está firmada nos livros históricos, cujos autores Rocha Pombo e Azevedo Marques, a recolheram de pessoas que nasceram e viveram no século passado e neles devemos crer, principalmente levando-se em conta a longevidade dos escravos, muitos dos quais atingiam a mais de 100 anos. Os dois autores passaram a não merecer crédito de alguns pesquisadores por causa de alguns erros que cometeram em outros episódios de seus livros, criando ambiente para que se estabelecesse polêmica.

O jornalista Hélio Damante, de “O Estado de São Paulo”, cremos que sem desejar polêmica, trouxe à tona em 1967 o nome de frei Leão, como fundador de São José, mas situando-o na época em que a aldeia já estava no planalto atual. Isto nos leva a crer que esse religioso tenha sido um dos personagens da vida da antiga aldeia, já na sua segunda fase. Explicamos: a tradição diz que, inicialmente, a aldeia foi formada às margens do rio Comprido, onde Anchieta viu índios que viviam dispersos, reunindo-os então em um só local. Depois Anchieta morreu e mais tarde outros jesuítas vieram, atendendo ao apelo da Corte Portuguesa, que desejava captar a simpatia dos indígenas através da persuasão. Esses jesuítas vieram entre 1640 e 1660 e, vendo que o local da antiga aldeia não oferecia boas condições de defesa para os índios, contra as investidas daqueles que desejavam saqueá-los e escravizá-los, mudaram-na para o planalto atual.

Muitos jesuítas vieram naquela época e, depois dela, podendo ter acontecido que, entre eles, tivesse vindo o célebre frei Leão, cuja memória tenha ficado gravada em documentos abordados pelos jesuítas padres Manuel da Fonseca e Serafim Leite, nos livros “Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes” e “Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil”, já que os arquivos da companhia de Jesus foram queimados pelos agentes pombalinos.

Não pode ser aceito, portanto, frei Leão como fundador da aldeia de São José, a menos que se queira ser simplista e, ainda, ao pior, se deseje apagar violentamente aquilo que a tradição sustentou durante séculos, violência que se torna ainda mais injusta, quando se atenta para o fato de que no Brasil colonial não havia imprensa, poucos eram os homens que sabiam ler e escrever e muito menor o número daqueles que se dedicavam a registrar acontecimentos históricos, a não ser os jesuítas, cujos livros de assentamentos foram queimados pelo furor anticlerical do marquês de Pombal.

A tradição, se estudarmos a vida de Anchieta, o encaixa muito bem, como fundador da aldeia do rio Comprido, quando se leva em conta que tal tradição diz que ele catequizava índios na capela de Nossa Senhora da Conceição em Jacareí (à qual São José pertenceu).

A história diz que Anchieta veio para o Brasil em 1553, dedicando-se à catequese dos índios, principalmente nos campos de Piratininga, tendo em 1560, juntamente com o padre Nóbrega, aventurado a negociar com os tamoios, empreendendo a viagem a Iperoig, onde permaneceu mais de três anos, o que prova que não se imobilizou em Piratininga, mas empreendeu viagens pelo sertão, para alargar os horizontes de sua catequese.

Muitos índios de Piratininga (especialmente os guaianazes), fugiram à vista dos homens brancos e tomaram o caminho da região do Vale do Paraíba, sendo fácil de se imaginar que eles tenham sido procurados por Anchieta, como diz a tradição, com referência à Jacareí. Ora, o rio Comprido, em cujas margens surgiu São José, fica muito próximo de Jacareí e, mesmo andando florestas, o acesso por não gastaria muitas horas.

A verossimilhança da tradição, que situa a formação da aldeia de São José nas margens desse rio, é patente, visto que a data que ventila é por volta de 1564.

Geraldo Moacir Marcondes Cabral

Anchieta – Fundador de São José dos Campos

Assim vínhamos desenvolvendo este preâmbulo, quando uma notícia inesperada nos trouxe não somente a prova de que Anchieta foi o fundador de São José, como confirmou a data que conseguíramos pesquisar como sendo a do nascimento do povoado. Trata-se da informação registrada na seção “Panorama”, da jornalista T. Monteiro, na “Folha de São Paulo” do dia 19 de maio de 1977, que diz o seguinte:

Anchieta – fundador de São José dos Campos
Recebo do grande amigo Com. Jairo César de Siqueira – joseense formigão dos bons, radicado em S. Paulo, na Capital esta sensacional notícia:
“Depois de quase dez anos de pesquisas e leituras de quase 300 volumes de História, Geografia e Sociologia Etnográfica, encontrei o diamante que buscava na cata sistemática.

Pela primeira vez achei um autor responsável e reconhecida autoridade em História e Geografia, em Política e Administração Pública, as maravilhosas informações que há dois séculos os joseenses buscavam.

Aconteceu o milagre quando de- parei, na página 91, linhas de 7 a 19 a indicação informativa de que:

São José dos Campos foi fundada no ano de 1564 pelo Padre José de Anchieta… notícia que transformou o volume “Geografia do Estado de São Paulo”, de Afonso A. de Freitas – Edição das Escolas Salesianas, SP 1906 valioso escrínio da joia histórica de tanto valor para o joseense formigueiro.

Quando Cassiano Ricardo continua o nosso amigo Jairo afirmou que São José dos Campos, o São José de Anchieta, tem a proteção do burel jesuíta, parecia exprimir apenas o desejo de materializar uma quimera, porque era joseense nato e almejava, como todos os seus conterrâneos a origem anchietana para a terra natal.

Cassianinho tinha razão. Apenas esqueceu-se de informar a origem dos dados para aquela afirmativa.

O Geraldo Marcondes Cabral do Valeparaibano, o ilustrado e culto jornalista que admiro e respeito também tinha razão. O Agê Jr. é outro que merece admiração, porque sempre afirmou que São José é uma das cidades fundadas pelo venerável canarino.

E eu, o São Thomé joseense, precisei ler com meus próprios olhos a afirmativa que sempre desejei encontrar e não achava, até a descoberta que fiz no Geografia do Estado de São Paulo.

Hosana! São José do Paraíba, Aldeia de São José do Rio Comprido, Nova São José do Paraíba, São José dos Campos foi fundada em 1564, por José de Anchieta, e não 27 de julho de 1767, por decreto de Morgado de Matheus, brigadeiro Luiz Antônio Botelho de Souza Mourão como afirmava a história, até agora oficial, na ausência de maiores documentações, como afirmam Afonso E. de Taunay e Guilherme de Almeida, ao participarem da Comissão de História da Fundação da Cidade, na década 1920/30.

Aí está a confirmação da tradição, por autor que merece confiança, cuja revelação foi feita em cima da hora, não dando tempo para que compulsemos a publicação citada, para obtermos maiores informes.

Sabido que Anchieta sempre punha o nome do santo do dia nas como povoações que iniciava ocorreu com São Paulo, que foi fundada no dia 25 de janeiro, conversão do apóstolo Paulo podemos afirmar, sem medo de errar, que a data da fundação de São José foi no dia 19 de março de 1564, dia do Patriarca São José.

Quanto à mudança para o planalto, a tradição nos trouxe, também, a informação de que o Padre Antônio Vieira celebrava missa numa capelinha que ficava em frente a uma velha igreja de São Benedito, existente no alto da Ponte, no caminho que vai para a Vila Sinhá, que foi demolida para abertura de rua.

Depois deste preâmbulo, passemos para a parte que visa descrever a História da Aldeia de São José do Paraíba, do planalto, portanto, de sua segunda fase.

Citando de antemão a bibliografia, diremos que parte dos fatos que iremos abordar foi respigada dos álbuns de Napoleão Monteiro (1922); de João Netto Caldeira (1934) e de Edward Simões (1951), não só porque são boas fontes de informação, mas porque não há tempo para maiores pesquisas, porém, o que se seguir à data da proclamação da Independência já pertence às pesquisas levadas a efeito em documentação original dos arquivos da Câmara Municipal.

As diversas fases da história de São José

Podemos, à luz das pouquíssimas informações existentes, repartir os 413 anos de existência de São José, nas seguintes fases: 1) A Aldeia de São José do Rio Comprido, da qual já se falou acima (até 1643): 2) A Aldeia de São José do Paraíba, já localizada no planalto; 3) A Vila de São José do Paraíba, da ereção em 1767 até a Proclamação da República; 4) O período republicano, até 1930 e 5) o período de 1930 em diante.


A aldeia de São José do Rio Comprido

Para falarmos desta fase, principalmente, não há outras fontes, se não os álbuns de Napoleão Monteiro (1922) e de João Netto Caldeira (1934), que pesquisaram nas fontes os documentos comprobatórios: os Arquivos do Estado e do Tesouro Nacional, portanto, idôneos.

Tanto um como outro desses pesquisadores, dizem que a Corte Portuguesa, depois de verificar que pela força não se conseguia domesticar indígenas, optou pela persuasão, entregando aos padres da Companhia de Jesus, chefiados até 1597 pelo grande Padre Anchieta, a tarefa de catequizar os silvícolas, o que eles fizeram com mansidão e desvelo, apesar de duramente hostilizados, tanto que Anchieta foi com Nóbrega até Iperoig, para pacificar os tamoios, onde ficou como refém, em circunstâncias as mais penosas. E não será temerário afirmar-se que dezenas de vezes tenha Anchieta se deslocado em busca de índios revoltados ou foragidos de Piratininga, ante à invasão dos brancos. Quem ler sobre os índios do Vale do Paraíba verá que eles eram numerosos e tinham confederações, como em Lorena (Heparé).

Na história tradicional de Jacareí, à qual São José pertenceu, também constam as andanças de Anchieta, que ali catequizava índios, o que o liga com maior razão à História da Aldeia de São José do Rio Comprido, que distava alguns quilômetros de Jacareí.

Mas Anchieta morreu em 1597 e a situação dos índios piorou, tendo sido editada a Lei de 10 de novembro de 1611, criando e regulamentando aldeias nos melhores pontos, tendo surgido diversas, que custaram a vida de muitos e abnegados sacerdotes.

Entre essas aldeias estava a de São José, localizada no rio Comprido, a 10 quilômetros do atual planalto é que segundo Azevedo Marques e outros historiadores, havia sido fundada logo após o Êxodo de Piratininga, compondo-se de índios da tribo Guaianazes, que Rocha Pombo qualificou em sua “História de São Paulo”, como os mais cultos e melhores índios da América Central. Essa Aldeia, que a tradição e o livro “Geografia do Estado de São Paulo” (de Afonso A. de Freitas) dão como fundador o padre Anchieta, recebeu a visita de outros jesuítas, que acharam o local muito desvantajoso e inseguro. Eles investigaram as redondezas e encontraram o planalto onde hoje se encontra a parte central da cidade e começaram a sua mudança, tendo obtido em 1643, quatro léguas de terras em quadras, concedidas por João Luiz Mafra, fidalgo da Casa Real, conforme está lavrada a escritura, pelo escrivão Antônio Velho de Mello, no livro no 11 de Sesmarias Antigas do Arquivo da Fazenda Nacional.

Nessas quatro léguas em quadras foi iniciada a tarefa do levantamento da residência dos padres, a capela (no mesmo local em que está a atual Matriz de São José) e as numerosas cabanas dos índios. na atual avenida São José.

Nessa mesma época, surgiram Antônio de Siqueira Afonso (descendente de Antônio Afonso, fundador de Jacareí) e sua mulher Antônia Pedrosa de Moraes e Francisco João Leme, que conseguiram sesmarias concedidas em 1650 (livros nos 11 e 13 de Sesmarias Antigas), pelo capitão-mór Dyonisio da Costa, de Taubaté Antônio ficou nas imediações da Aldeia e João Leme foi montar fazenda no local hoje chamado Bairro do Jardim.

Os índios de São José descobriram, então, a taba das “Lavras”, entrando em contato com os silvícolas de lá e, segundo se afirma, mineraram ouro para os jesuítas, no local chamado “Tanque dos Índios”, na antiga Fazenda Montes Claros.

Vale aqui, para ilustrar a presença de índios em São José, citar que em meados de 1946, à convite da Prefeitura Municipal, o sr. João Amoroso Netto, que foi delegado de Polícia, formou uma Comissão, a fim de reconstituir a História do Município, da qual fez parte o professor catedrático das Faculdades de Catânia (Itália) e da USP, barão Otorino de Fiore de Cropani, cuja colaboração se limitou exclusivamente ao estudo das antiguidades relacionadas com a existência de índios no território joseense, o qual já tinha Estado aqui entre 1938 e 1941, investigando assuntos geológicos.

Em duas semanas de permanência, o barão Otorino conseguiu localizar e explorar vários lugares onde apareceram vestígios que evidenciaram a presença de índios.

O primeiro desses locais, foi a Fazenda Senimbura, um pouco além da Usina de Leite da Vigor, na Vila Ema, naquela curva em que está a captação de água do CTA, onde foi achada uma igaçaba de 1,80m de altura e de paredes muito espessas, além de fragmentos de pratos de forma retangular, com desenhos em preto e branco e outros destroços de vasilhames de barro cozido.

O segundo local, foi o bairro do Tatetuba, km 121 da estrada velha São Paulo – Rio, onde foi encontrada uma igaçaba do tipo espantulado, de 80 cm, com fragmentos de ossos humanos.

Seguiu-se o bairro do Cajuru onde se encontrou abundante material fragmentado. No bairro da Pernambucana, atrás do Putim, informaram que há algum tempo, tinha sido descoberta uma igaçaba com ossos humanos, no lugar chamado Santa Cruz da Panela.

Na antiga Fazenda “Ricardo” no bairro do Jardim, havia uma pequena lagoa, nascente do rio Comprido (limites de São José com Jacareí), e uma vala, onde foram encontrados vinte e oito objetos de pedra trabalhada (machados, mão de pilão, etc) os quais foram levados pelo sr. A.W. Tibiriçá e depositado por Rui W. Tibiriçá, irmão, que era técnico do Departamento de Geopaleontologia da Faculdade de Filosofia de São Paulo, tendo ali se conservado até setembro de 1942. Num vale próximo à lagoa mencionada, existia um morro que seus moradores chamavam de “Morro das Índias”, onde se erguia singular monumento, murado de terra pilada, da altura de 1,80m, parecendo tratar-se de fortificação índia, porém não qualificada assim pelo Barão Otorino.

Sobreveio a expulsão dos jesuítas, em 1769, da Província de São Paulo, os arquivos foram queimados, e do longo período da Aldeia de São José do Rio Comprido, pouco se pode saber.

Valeparaibano, quinta feira, 27 de julho de 1978

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