Uma fatalidade ocorrida no início de maio de 1905, tomou quase que todas as páginas do jornal O Caixeiro naquela época. Foi o acidente fatal com arma de fogo do jovem Elviro Ricardo Leite de 15 anos. Não ficou entendido ao certo se ele era um funcionário do jornal ou amigo dos que lá trabalhavam. Seus colunistas não pouparam palavras para expressar a dor diante do ocorrido.
MORTE PREMATURA
O sol escondia-se vagarosamente no ocaso… Eram 5 e meia da tarde; tarde fatal! Quando fomos cruelmente surpreendidos pelo eco da detonação de um tiro de revólver, seguido por gritos desesperados de pessoas da casa do sr. José Dellias, que indicavam ter ali ocasionado alguma desgraça.
Imediatamente para lá nos dirigimos.
Quando, ao entrar pela porta de um quarto, descortinou-se diante de nossos olhos, o desventurado Elviro Ricardo Leite, com quem a meia hora estávamos junto e gracejando satisfeito. Prostrado sobre um leito com suas faces rubras banhadas por encanado sangue que em jatos enodoava o lençol. Quadro horrível!
Fatal destino!
Socorrido imediatamente com todos os recursos que dispomos, mas tudo foi baldado, seis horas só faltavam para que exalasse o último suspiro, que findas voou para a mansão dos justos. Oh!! implacável e impiedosa mão do destino, para que roubas ainda no verdor dos anos um jovem de tão imaculado coração, um caixeiro irrepreensível que com tanta abnegação dedicava-se, um ente que se lia em seu semblante a mais viva impressão de futuramente conformar-se em um verdadeiro homem.
Uma lacuna impreenchível temos o desprazer de registrar no álbum de nossa humilde classe.
Sinto imensamente a minha rasa inteligência não me facultar palavras com que pudesse fazer sentir no coração dos que me dispensam atenção a mais fiel impressão que revestiu-se os comoventes quadros que se desenrolaram na ocasião de exalar o último suspiro, cercado do médico, de seus amigos, e não de seus estremecidos pais, que na ocasião que chegaram já encontraram-no morto!
Só um coração empedernido não se comoveria diante de tão dolorosa cena.
Infeliz! Infeliz Elviro! quando que havia de revés passar pelo meu e teu pensamento que meia hora depois que estávamos juntos estarias tombado d’entro de um balcão com o crânio transpassado por uma desnaturada bala, quando que havíamos de pensar que seis horas de cruel agonia estavam prestes a chegar.
Oh Fatalidade cruel!
Oh senda intransigível do destino! Caminho que irrevogavelmente havemos de trilhar abandonando nossos pais, nossas mães, ah nossas mães… nossas esposas, nossas filhas nossos irmãos e finalmente nossos amigos, deixando-os na mais cruciante dor, banhados em lágrimas, que verdadeiramente refletem os sentimentos humanos de uma criatura que se ama.
Finalmente Elviro morreu! É inegável, mas seu nome imortalizou-se no coração de seus amigos fazendo jus a simpatia, a afeição de que era dotado.
Tenho sempre o meu dever de amigo e colega, dedicado desta pálida homenagem a medida de minha capacidade em sinal de sincera afeição ao mal agrado Elviro, acompanhado na dor que os punge.
Adamastor
ELVIRO LEITE
Imersos em profunda dor, acabrunhados ante a irreparável desgraça que roubou abruptamente do amor da família que o idolatrava, do círculo dos seus amigos, que éramos todos nós, jovens ainda, cujo despontar da vida se nos depara como um paradigma de róseas venturas, empunhamos a nossa modesta pena, para, fazendo coro unísono com o sentimento unanime da população, com ela lamentarmos o brusco e trágico desaparecimento do nosso amigo Elviro Ricardo Leite. Uma verdadeira catástrofe, nos privou para sempre daquele bom e estimado rapaz, ainda nos albores da aurora da existência, quando a vida é um sonho, é um mito.
A mão negra e cruel da fatalidade calcou todo o seu peso no infortunado rapaz, que pagou com a própria vida, a imprevidência com que em um momento lidava com uma arma de fogo, a qual disparando traiçoeiramente, vitimou-o de vez, satisfazendo assim o cumprimento do Destino impiedoso e cruel.
Lamentamos sinceramente o horrível acontecimento que veio encher de luto uma família distinta, roubando ao seu lar um ente querido, e fazendo-o de um modo trágico e emocionante, deixando sulcos indeléveis que nunca se apagaria da memória dos seus.
A perda do inditoso rapaz é uma daquelas que o tempo não conseguirá apagar. A recordação de tão trágico acontecimento será indelével, na intensidade da dor que acabrunha seus progenitores, seus amigos, e também todos aqueles em cujos corações pulsam sentimentos alevantados de altruísmo pelos sofrimentos dos seus semelhantes.
De fato: qual o coração que não se constrangeu diante de semelhante ocorrência, que pôs termo a existência de uma criança de 15 anos, cujo porvir era promissor e sorridente? Acreditamos que nenhum. As mostras de sentimento pelo trágico sucesso, foram gerais, intensas e profundas!
Nós, os seus colegas de balcão, que mourejamos nesta afanosa lide comercial nos sentimos acabrunhados, vergados de sentimento, pelo acontecimento fatal que inexoravelmente furtou a nossa estima um amigo predileto.
E, como verdadeiros interpretes dos empregados no comércio desta cidade, aqui patenteamos a nossa dor sem limitivo pelo trágico, pelo emocionante drama, que vitimou Elviro Ricardo.
Embora emocionados pela acerbíssima magoa que ainda nos compunge o coração, acompanhamos ao campo santo, o cadáver hirto e frio do nosso mal aventurado amigo, depositando sobre o seu ataúde uma coroa singela, mas, expressiva do nosso pesar e, em espírito dissemos-lhe o adeus final, como homenagem sincera, e na altura das forças que O Caixeiro podia tributar ao infeliz amigo, cuja morte toda população deplora e lamenta.
FUNERAL DE ELVIRO
As 5 horas da tarde de 6 do corrente (maio de 1905) saía o féretro, da rua 7 de setembro n. 3, com grande acompanhamento das pessoas mais gradas do lugar dirigindo-se à Igreja onde após Libera mè foi acompanhado pelas Irmandades do Santo Sacramento e o Rev. Vigário.
A orla do túmulo falou o prof. Licinio Leite Machado que leu um bem elaborado discurso enaltecendo as qualidades do morto.
Sobre o caixão destacava-se 3 ricas coroas; a primeira trazia a seguinte inscrição: Saudades de seus pais; a segunda: Saudades de seus irmãos, e a terceira: A Redação do O Caixeiro a Elviro Ricardo Leite, eterna saudades.
ELVIRO
A tarde de 5 de maio de 1905 desaparecia.
Que contraste! Enquanto a nossa população era despertada de sua calma habitual pela Corporação Musical São Benedicto, que altaneira empunhava o seu estandarte, percorrendo as ruas desta cidade, executando dobrados, jubilosa por haver realizado um louvável desideratum, aos ouvidos de todos nós ecoava uma notícia que encheu-nos da mais profunda consternação: o jovem Elviro Ricardo Leite geralmente estimado, por uma dessa fatalidade da sorte, que a história da humanidade tantas vezes tristemente registra, havia ferido mortalmente a si próprio.
E nessa hora em que um silêncio sepulcral envolve a noite e as trevas dominam o espaço, a sua alma bondosa havia para sempre deixado este mundo enganador.
Que Deus coloque-a na gloria celestial; que isto sirva de lenitivo à dor de seus inconsoláveis pais.
Associando-nos de coração à justa homenagem prestada pela redação do Caixeiro, órgão dos empregados no comércio, a um de seus mais dignos membros, sentimo-nos compungido por tão infausto passamento.
Cesar Júnior 06/5/1905
O SÉTIMO DIA
Ainda o silêncio profundo… a dor predominando tudo… sem um único consolo, um fingido sorriso, um esforço da natureza, embora transformando a ordem natural das coisas…
Silêncio profundo interrompido algumas vezes com o triste ai! de uma dor que dilacera a alma!
Silêncio profundo, onde uma pálida luz traduz uma agonia, o prenúncio de uma outra existência, sem terminar a primeira!
Risos… flores… tudo, tudo desaparece de um momento para outro, permanecendo sempre e sempre a Dor!
Oh! fatalidade!
Sete dias hoje… sete sem cultos, e ainda a dor a martirizar o coração!
No entanto Elviro Ricardo Leite, no além, recebe as homenagens da terra, dos seus admiradores, os soluços e as lágrimas dos inconsoláveis progenitores.
Aqui temos a consolação dos homens, e, lá, a consolação é dos Anjos! Paz!
Gomes Leal
NENIAS
(A Elviro Ricardo Leite)
Morreste, bom amigo, alma querida, N’aurora perfumada da existência!
Levaste para o céu a tua inocência, deixaste a tua lembrança nesta vida.
Quinze anos tinhas só, quinze anos e paraste da vida no caminho! Era tão longa a estrada… toda enganos… Buscaste a sepultura – eterno ninho!
E nós, teus companheiros de jornada, A alma em fundas dores mergulhada, pranteamos a tua morte prematura.
E vamos, uma cruz tosca e modesta erguer, missão piedosa que nos resta,
A beira do teu berço…. a sepultura!
Jornal O Caixeiro, 11 de maio de 1905
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