A Praça: Um Lugar, Muitas Histórias – A Trupe – O retrato do Brasil

“Venham, venham todos, o show já vai começar!”

Neste dia a sossegada feira de artesanato que mais uma vez acontecia deixou de ser a atração principal quando toda a normalidade foi quebrada por um “barulhento” teatro de rua que estacionou na praça.

Um pequeno palco de estalecas de bambu foi montado em um círculo, feito com giz no chão. O povo que passava olhava curioso a movimentação.
Por uma brecha da cortina de lençol que o vento abria, dava pra ver um improvisado camarim com alguns atores que se preparavam colocando máscaras para encarnar os singulares personagens. Um pedaço de pano hasteado em um pedaço de pau, anunciava o espetáculo:

“Aconteceu no Brasil – enquanto o ônibus não vem”.

Ao toque dos tambores “Venham, venham todos, o show já vai começar”. “Venham, venham todos”.
A platéia chega um pouco tímida e só mesmo depois de muito estardalhaço é que se forma um “burburinho”.

A história se inicia com os artistas chegando a pé, já encenando. Em meio ao público surge o Coronel Vicente Capador acompanhado de seu servo maltrapilho, Saci. Eles viajam em
direção a Minas Gerais, onde o Capador pretende vender uma preciosidade que
roubou da Floresta Amazônica, ele carrega em um baú, o último índio que sobrou
da Amazônia.

Capador é um patrão autoritário que só pensa em enriquecer e maltratar seus empregados, já Saci é
fiel ao chefe. Acostumado com as “patadas“, trata logo de obedecer todas as ordens que lhe são dadas.

Os espectadores vão aumentando aos poucos. Os pequenos sentam no chão e se divertem com as
palhaçadas, adultos se acomodam e cochicham entre si. Alguns interrompem o trabalho só para assistir, enquanto outros tiram logo o moderno celular para filmar o teatro nunca antes visto por ali.

Arrebanhando o público aparece Rosendo, homem simples do Nordeste que vem cantando pelo caminho. “Como será que está o Ceará, ai como será que está o Ceará”. Depois de anos trabalhando em São Paulo, só o que ele quer é retornar à sua terra natal. “Oxê, eu queria ser um músico famoso, mas acabei foi trabaiando feito um escravo”, conta para a platéia o sonhador. Rosendo carrega em sua malinha um dinheiro economizado pra usar em seu futuro plano de talvez quem sabe montar uma lanchonete.

A história contada lembra a vida e os personagens lembram a realidade daqueles que os assistem. O público atônito se identifica e se tornam próximo da representação encenada.

Na estrada, Rosendo se encontra com Biro Biro, malandro do Rio de Janeiro. Perseguido pela polícia.
Biro Biro se aproveita da inocência de Rosendo e tenta convencê-lo de que ele é um músico famoso com a falsa proposta de uma sociedade.

“O senhor entra com o dinheiro e eu entro com a minha fama pessoal”.

Os quatro caminham sem destino certo à espera de um ônibus ou de alguém que possa dar informação, o que só vai acontecer bem longe quando depois de muito caminhar aparece a brava
e inconformada Dona Josefina.

Dona Josefina com a voz trêmula de quem já viveu muitos anos, sozinha no palco só se lamentava. “Eu vou me embora, eu vou me embora, 50 anos cuidando de filho e de marido e tudo isso pra quê? Safado, sem vergonha, eu cuidando de tudo o dia inteiro e ele me largo por aquela lambisgoia aquele rabo de saia de 20 anos, com aqueles peitos empinados pra lua. O quê que ela tem que eu não tenho? O quê?”, indagava a senhora sobre o abandono do marido.

Com ela moram as duas filhas que lhe restaram, Amarinda e Miranda. Amarinda, muito objetiva e
ambiciosa. Miranda, sonhadora e apaixonada.

Os forasteiros se encontram com Dona Josefina que informa que eles estão perdidos e o próximo
ônibus só passará dentro de uma semana e enquanto o ônibus não vem, sem muita alternativa só resta ao grupo aceitar a hospedagem oferecida pela brava mulher.

A história contada ainda não acaba aí. Aos poucos antes mesmo do show se finalizar a plateia vai se desfazendo. De volta à realidade cada um ali segue com sua vida.
O público ainda que nem tão atento se reconheceu na gargalhada e no riso voluntário.
O patrão coronel, o empregado sem opção. O migrante sonhador, o malandro aproveitador. A velha abandonada e as filhas amorosas, não foram só os personagens desta peça, essa trupe é o nosso retrato, o retrato de uma parte desse Brasil.

11 de Setembro de 2010

Texto e fotografia: Nádia Alcalde
Revisão ortográfica: Miriam Puzzo
Diagramação: Rodrigo Schuster
Unitau – 2010

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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente


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