A Praça: Um Lugar, Muitas Histórias – Lunático Dançarino

“A minha satisfação é ver o público dançando junto comigo.”

José Carlos acordava antes de o sol nascer, pegava o balde e ia para o curral tirar o leite da vaca para ser bebido fresco no café da manhã. Depois de alimentado, se apossava da enxada e ia com o pai mais o irmão capinar o mato antes que ele tomasse conta do feijão plantado.

O pai logo cedo desconfiou que José não tinha muito talento pra enxada quando via o menino de ritmo lento com o olhar perdido, apoiado na enxada e enxugando seu suor. Ele lhe deu então um caderno, lápis e a ordem de que ele frequentasse a escola. Colocou o pequeno pra caminhar pelas ruas da pequena cidade do interior de Minas Gerais, Brasópolis que trazia pelo chão asfaltado a marca da  sujeira de terra impregnada nos calçados de quem cruzava a roça rumo à cidade.

De olhar tímido, ele pouco falava e na escola também não ia muito bem. Depois da aula, em silêncio, sem quem ninguém mandasse pegava na enxada de novo pra cuidar da lavoura. A família só saía da rotina quando chegava o inverno, quando tudo ficava ainda mais difícil com as geadas. José nessa época, trabalhava o dobro para proteger a plantação do vento e ao dormir passava as noites dos meses de junho e julho tremendo de frio na fazenda.

Já com 17 anos e ciente do seu destino certo parou por um instante enquanto capinava café com o irmão e disse: “Hoje é o último dia que eu vou trabalhar nessa roça”

Procurou o primo motorista de ônibus que estava na cidade visitando a família e perguntou pra qual cidade próxima ele iria.

“São José dos Campos” disse o primo.

– Você me dá uma carona?

Ninguém da família contrariou a vontade do jovem rapaz e em 1981, sem nada saber sobre a cidade, só com notícias de que lá morava uma tia. José então desembarcou em São José dos Campos. “Disseram pra mim que aqui era uma cidade muito grande e que não dava pra conhecer a cidade a pé como em Brasópolis”.

Foi morar com a tia Vera que prontamente conseguiu um emprego pra ele como guarda noturno. Na sua folga, para então não conhecer a cidade a pé, ele tratou de arrumar uma bicicleta para pedalar por aí.

José achava a bicicleta simples demais e aos poucos foi colocando uns apetrechos como fitinhas de santo colorida, adesivos, desenho de estrelas e tudo o mais que achasse pertinente.

Ainda assim, olhando para a bicicleta, tinha sempre a sensação que faltava alguma coisa e pra tentar resolver o problema fez um rascunho no papel do que seria a bicicleta perfeita.

Arrumou ferramentas e customizou um modelo próprio. Esta bicicleta agora confortável e estilosa ganhou também um nome, foi batizada de “Lunática Nova Estrela“.

Pedalando no ritmo da cidade grande



Nesse tempo enquanto pedalava pela cidade tudo era novo pra ele e o que mais encantou o rapaz foi a música que o povo ouvia. O rock nacional como o de Titãs e Kid Abelha estavam no auge do sucesso e ele resolveu aproveitar a juventude arriscando alguns passos de dança nos clubes noturnos que passaram a ser o endereço certo de José aos finais de semana.

José nunca se importou com o que os outros pensavam sobre ele. Nos clubes ele dançava diferente, fugia dos passos ensaiados da sociedade de dois pra lá e dois pra cá. Sua dança era sentida, incorporada, seguindo o ritmo involuntário do seu corpo e não demorou muito para virar atração do público e entrar sem pagar nas danceterias. Ele frequentava todas, os extintos clubes Haddock, Locomotiva e Barcelona eram seus palcos de dança, ele deixou de ser José e ficou conhecido como o “Lunático dançarino”. Pra completar o estilo da bicicleta e seu jeito de dançar ele criou também uma roupa para este personagem que passou a ser a sua identidade em tempo integral. Camiseta branca, jaqueta de couro com estrelas pregadas como a da bicicleta, calça preta e bota de cowboy.

A amiga empresária e o sucesso: Lourdes Ribeiro fazia apresentações de shows sertanejos da cidade. Uma vez viu o Lunático dançar e o convidou para fazer parte dos artistas que iriam se apresentar em uma campanha para arrecadar dinheiro para uma garota que estava com câncer no bairro do Novo Horizonte.
Eram onze horas da manhã quando o Lunático subiu no caminhão que servia de palco para o show, o sol ardia e o público nem imaginava o que ele iria fazer. A música escolhida foi uma do cantor Freddie Mercury e quando ele começou a dançar freneticamente o caminhão balançou o que deixou o Lunático nervoso e suando frio. Ele fechou os olhos e lembrou dos tempos difíceis na fazenda e nesse momento abriu os braços e as pernas como no formato de uma estrela e balançou no ritmo do caminhão. A platéia dançou junto, vibrou com ele e deu o nome da dança de treme-treme.
Sucesso garantido. As crianças e as senhoras foram as que mais gostaram e alguns mesmo que se divertindo diziam. “Ele é louco mesmo”.

O Lunático seguiu com sua carreira de dançarino e com sua bicicleta pela cidade, passou a ser
conhecido por onde passava e na Praça Afonso Pena ele estacionava sua bicicleta que atraía os olhares curiosos. A bicicleta foi ficando cada vez mais famosa e além de adesivos foi ganhando também espaço para anúncio publicitário dos comerciantes. Espaço que passou a ser disputadíssimo e com retorno financeiro garantido para os empresários.

Lourdes dava conselhos para ele administrar os contratos e o dinheiro que conseguia com a bicicleta. Ela também agendava os shows que foram ficando cada vez mais frequentes.

A amiga sempre fez questão de fazer uma introdução antes do Lunático aparecer no palco. Com o
microfone, entusiasmada ela anuncia: “Vocês vão assistir agora um show diferente, uma dança diferente. Assim como Michael Jackson criou o seu estilo, ele o Lunático também criou o dele. Com vocês Lunático Dançarino”.

“Essa apresentação foi criada para preparar o público e para evitar que o chamem de louco novamente e de que se trata de um artista dançarino que ensaia seus passos e seleciona suas músicas preferidas“. Conta Lourdes que o acompanha até hoje. O Lunático dançarino dança com playback e continua a ser o mesmo José que chegou da roça há 30 anos. Entra no palco corre de um lado para o outro mas nem se arrisca a pegar no microfone de tanta timidez. Seu repertório continua o mesmo de que quando começou. Ramones, Legião Urbana, Barão Vermelho e o Freddie Mercury que é o seu preferido. A bicicleta é presença garantida em todos os shows. Hoje, além de alguns anúncios e estrelas por toda parte a Lunática Nova Estrela tem a foto da musa Gisele Bundchen pendurada, duas fotos de José 3×4, miçangas nas cores do Brasil verde e amarelo, carrinhos de plástico colados, um mapa próximo da direção como uma espécie de GPS e a bandeira cheia de estrelas, marca registrada do Lunático.

16 de Setembro de 2010

Texto e fotografia: Nádia Alcalde
Revisão ortográfica: Miriam Puzzo
Diagramação: Rodrigo Schuster
Unitau – 2010

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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente



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