As estranhas chuvas do Vale (1968)

Disco Voador, castigo do Céu ou fenômeno da natureza? Está chovendo carne e sangue no Vale do Paraíba.

Pedro Mariano Sousa: “Tudo aqui ficou coberto de sangue e carne. A chuva durou uns 2 minutos.”


Quando Pedro Marinho de Sousa, o Candinho, de profissão oleiro, chegou à Delegacia de Eugênio Melo, distrito de São José dos Campos, para contar o que tinha visto, só não o meteram em cana por embriaguez porque já o conheciam, sabiam ser um homem direito. E quando o soldado Ferdinando Ribeiro telefonou para Delegacia de São José dos Campos, pedindo auxílio, teve que repetir várias vezes que não se tratava de gozação, mas de coisa muito séria. Que acontecera de tão estranho ali naquela parte do Vale do Paraíba? Quem me conta é seu Candinho:

A olaria do seu Candinho, onde caiu a primeira chuva maldita, que tingiu de vermelho toda uma área de 300 metros quadrados. Um mistério. No detalhe, o escrivão Ronaldo Dias, o soldado Ferdinando e seu Candinho, da olaria.


— Moço, eu vi. Com estes olhos que a terra um dia vai comer. Não sou mais criança. Há 50 anos sou temente a Deus. Era dia de Nossa Senhora, e a gente tava trabalhando. Até que não tinha muita necessidade de entregar os tijolos. As mulheres tinham saldo para a missa de Nossa Senhora da Assunção. Aí eu, pra aproveitar o Sol, peguei uns caboclos e fomos para a olaria. Eu, o Zeca meu irmão, o João Vidal, o Zé Borges e mais dois meninos. Fazia um tempo parado, sem vento, o Sol forte. Ora, moço, eu conheço avião, helicóptero, e de longe eu sei de qual carabina partiu o tiro. Não tinha nada disso então. Foi de repente, pouco depois do meio-dia. Parecendo chuva, primeiro caiu o sangue. Depois, os pedaços de carne, mais ou menos do tamanho de uma bolinha de vidro, alguns maiores. Uma carne como eu nunca vi na minha vida, assim roxa, amarronzada, sem osso, Zé Borges saiu correndo e gritando, eu mesmo fiquei um tempão meio abobado. Tudo durou uns dois minutos, a chuva não caia assim isolada não, foi sobre toda a olaria, e veja você, moço, ela é bem grandinha. Se caiu também lá na roça, não sei não. Mas por aqui era só sangue. Depois do susto, a gente espetava a carne com uma varinha, era uma sangueira danada que saia.

Mais de quinhentas pessoas Já vieram até aqui para ver o fenômeno. Do Rio, de Taubaté, de São Paulo, de Santos. Uns rapazes do Rio recolheram num saquinho una pedaços de carne, disseram que iam mandar examinar. mas até hoje não tive notícias. O caso que me chamou mais a atenção foi o de um capitão que chegou aqui de carro com a família. Não conversaram com ninguém, e, enquanto ele passeava sério pela olaria, as mulheres não paravam de chorar. Choravam que dava dó. Muito estranho, não, moço?

O prefeito Marcondes Pereira examina a carne. João Vidal viu o sangue cair do céu.


— Num sei não, esse vale anda melo maldito. E essa chuva que deu agora de novo, a semana passada, lá em Santa Luzia? Pertinho daqui. Seis quilômetros, se muito, só sangue, dessa vez. Um compadre meu me contou. Estavam trabalhando no arrozal. De repente, as camisas começaram a ficar vermelhas. E também era pouco depois do meio-dia, céu limpo, sem nuvens, Sol claro.

AS HIPÓTESES

No mesmo dia, o escrivão Ronaldo Dias, terceiranista de Direito, foi a Eugênio Melo, local da chuva. E começaram as suposições: aquilo só podia ser o resultado de um desastre aéreo; quem sabe, restos de carne de um bando de pássaros despedaçados pela hélice de um avião; brincadeira de algum caçador: ou, ainda, carga jogada de algum avião, para eliminar peso, caso muito comum. Mas com o tempo, todas as hipóteses foram eliminadas. Até a do avião, pois, segundo o CTA (Centro Tecnológico da Aeronáutica), de São José dos Campos, nenhum aparelho sobrevoara os céus do local na quela hora, naquele dia. Depois, falou-me em disco voador, satélite desintegrado e tanta coisa mais.

O Instituto Médico Legal de São Paulo ainda não se pronunciou sobre o pedaço de carne arroxeada que a Delegacia de São José dos Campos enviou para exames. Enquanto isso, no Vale do Paraíba, o pessoal trabalha olhando para cima, de vez em quando, E, embora ninguém se tenha animado ainda a pôr na panela a carne calda do céu, os donos de açougue do Vale já começaram a dar sinais de preocupação.

Texto de Marco Antônio Montador
Foto de Manoel Motta
Revista O Cruzeiro, 1968


Traga sua história para ser contada!
Digitalização de fotos, vídeos, áudio, documentos, recortes de jornais, gravação de depoimentos, cartas, etc.
Midias Sociais: sjcantigamente
Whatsapp: (12) 99222-2255
Email: sjcantigamente@gmail.com

Comente se há informações extras, escreva suas recordações ou mesmo o que achou desta publicação. Agradeço por sua participação!