A voz abaritonada assegurou para ele as falas mais importantes dos jograis de São José dos Campos. Sua ironia fina, as últimas palavras nas discussões que envolviam assuntos de algum relevo. Sua cabeça privilegiada mostrava que suas leituras retinham mais que a de muitos de seus colegas. Não admira que se tenha adernado para Eça de Queiroz e Machado de Assis. Deliciava-se com o estilo dos dois grandes e nunca mais conseguiu livrar-se deles, para sorte de seu excelente texto.
Quem foi amigo do João achava que ele tinha tudo de melhor amigo e quem não era, lastimava não gozar desse benefício. Como aluno, João Vitor era uma alma flutuante dentro de sala de aula, aparentemente frequentando suas galáxias, até que, mudando de mundo, devolvia-se à terra e opinava com um brilho insuspeito em quem aparentemente não ouvia, não via e não lia. Era um clássico fingidor.
Seu dia, não podia conter a manhã. Deveria começar depois do almoço, mas o calendário escolar não deixava opções para seu sono. Mandava seu corpo para a escola e só acordava depois da terceira aula, o que nunca impediu de ser brilhante. O melhor texto da classe e a melhor análise das obras.
Não foi por acaso que foi parar na redação de jornal: ali deu de frente com o seu mundo. Aquele que o esperava, desde criança, para sorte de todos nós, os que o lemos e o admiramos por escrito, ao vivo e, agora, já levando sua impiedosa maiêutica para acossar o porteiro de um Céu, que seu ceticismo preferia imaginar como obra de ficção.
Formado pela Faculdade de Direito do Vale do Paraíba, João Vitor Guzzo Strauss logo percebeu que o escritório de advocacia não comportava o espírito irrequieto de um repórter. Ainda como estudante de Direito, começou na revisão do Valeparaibano. Era notívago. Mas, de revisor passa rapidamente a integrar com o veterano jornalista Jorge Lemes a equipe de redação do jornal, ainda no “chumbão”.
Em pouco, tempo destaca-se com textos que não ficavam nada a dever aos jornalistas dos grandes jornais, em especial o “Jornal da Tarde”, que revolucionava o jornalismo da época. Não teve dúvidas, seguiu para a capital paulista e encontrou um lugar na equipe do JT.
De lá pontificou no jornalismo brasileiro de “O Estado de São Paulo”, “Isto é”, “Quatro Rodas” e “Veja”, da Editora Abril, onde a morte acabou atingindo-o no cargo de diretor executivo da revista “Educação”.
Antes e acima de tudo, João Vitor foi o bom amigo de seus amigos. Solidário, corajoso, não deixava de estar presente principalmente nos maus momentos e naquelas oportunidades mais arriscadas na época da ditadura. Viveu perigosa e intensamente momentos decisivos da história recente do país. Foi um jornalista combatente pela democracia e pela liberdade de imprensa. Um exemplo de vida digna e correta.
O comunicado do falecimento do jornalista João Vitor Strauss chegou na redação do Estadão por volta das 10h30 de ontem. Em seguida, Zecão, amigo do João e companheiro de JT no início da carreira, me contou por telefone sobre o infarto e o velório no Cemitério do Morumbi, em São Paulo.
Conheci um jornalista experiente e fraternal (algo raríssimo na profissão). Assim que me formei, fui bater na porta do Estadão e só conhecia o João Vitor de nome. Encontrei um homem de meia idade, martelando uma Olivetti velha. Fiquei em pé, na frente da mesa, gelado de ansiedade, até que seus olhos saíram da lauda e pairaram sobre mim. “Então você é o Júlio, filho do Mário Ottoboni.” Ele se levantou, deu quatro passos e me abraçou. “Garoto, 30 anos atrás fiz exatamente o que está fazendo agora!
Não consegui o emprego, mas segui sua orientação e fui ganhar experiência. Alguns anos mais tarde voltei ao Estadão já contratado e fui contar a novidade ao João Vitor, que vibrou e prometeu acompanhar meu trabalho.
Sempre planejava vir a São José e rever os conhecidos. Não deu. Mas tenha certeza, João, você sempre estará por aqui, na saudade e lembrança de seus amigos.
(Artigo escrito a três mãos Luiz Gonzaga Guimarães Pinheiro, Luiz Paulo Costa e Júlio Ottoboni, em 1999)
Luiz Paulo Costa – Jornalista
Profissão esperança
A profissão de jornalista é a de menor expectativa de vida. Os jornalistas que ultrapassam os 50 anos de idade já podem dizer que estão tendo uma sobrevida. Em junho choramos a morte de João Vitor Guzzo Strauss, aos 56 anos. Agora lamentamos a perda de Luiz Grunewald, aos 55 anos. E se formos aqui listar tantas outras perdas, constataremos que, de fato, a expectativa de vida dos jornalistas é bem baixa.
A pergunta instantânea, de quem não vive o cotidiano do jornalismo, é uma só: por que? Já se disse que o jornalista morre cedo porque somatiza todos os dramas humanos que noticia. Vivencia inúmeros problemas sociais e humanos sem poder resolvê-los, apenas publicá-los, quando possível. Isto leva, inclusive, muitas vezes, a um excessivo rigor. Daí falar-se que as mãos dos jornalistas não foram feitas para aplaudir.
Em relação aos dois colegas e amigos, não tenho dúvida de que teriam mais tempo de vida se não exercessem o jornalismo. Luizinho, na adolescência, chegou a tal ponto de indignação que envolveu-se politicamente, sofrendo na carne por esta opção. Afastou-se da política, mas continuou com as mesmas preocupações sociais e humanas. Mesmo compondo seus sambas-enredo, era uma dimensão do jornalista que nunca deixou de ser.
Confidenciou a um amigo, nesta sua última fase, de “Gazeta Mercantil”, que o cotidiano do “Agora”, do Valeparaibano e da TV Globo nunca deixara a ele a possibilidade de sentir as dores do corpo. As dores chegaram é a doença consumiu o seu corpo. Mas, até o fim Luiz Grunewald teve como profissão a esperança de dias melhores para todos! (1999)
Luiz Paulo Costa – Jornalista
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