O POETA DA CIDADE
Que anjos são esses que andam me rodeando…
“Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar, vamos dar a meia a volta, volta e meia vamos dar… Você entrou na roda o que? O quê? O quê? Você entrou na roda, o quê que vai fazer?… Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, para o meu, para o meu amor passar… Tempestades, fuzilos e trovões, as chuvas que caiam na roça deixavam todo mundo em polvorosa. Mas, depois as pedrinhas de gelo vestiam de branco o terreiro, os rios transbordavam. Minha mãe apavorada rezava e acendia velas. De repente, tudo cessava e nós crianças saíamos pisando na lama e tomando aquele restinho de chuvisco na cabeça. Ficaram as sentimentais lembranças das festinhas de aniversário, das cantigas de roda.”
Nadir Bertolini, 82, nasceu numa casinha coberta de sapé, chão de terra, paredes de taipa, na Serrinha, lombada da Serra da Mantiqueira, bairro do Taquari, nos Campos de São José, divisa com Monteiro Lobato. Filho de Cândido Bertolini e Ester Ribeiro Bertolini, seu avô André Bertolini era italiano, chegou com 33 anos e trabalhou como mascate. Com as economias comprou uma boa fazenda em Joanópolis, SP.
BERTOLINI, O POETA MORA NA RUA SANTA CLARA ONDE NOS ATENDEU, EM DEZEMBRO DE 2002. Ouvir o Nadir falar de sua vida foi um grande prazer: “papai comprou do João Cunha a fazenda Santa Maria, aos poucos a foi melhorando. Construiu moinho de fubá, fábrica de farinha de milho, instalou rodas d’água para eletricidade, serrou com o carpinteiro Piré enormes troncos de madeira e construiu cercas. Transportou pedras, revestiu os currais e finalmente encanou a água que jorrou das torneiras. Eu ia junto para ajudar, muitas vezes me distraia em meio a tanto encantamento: passarinhos cantando, sapinhos pulando, peixinhos, cobras deslizando. E o sol desenhando nas verdes pinturas furta-cores da mata, um mistério que me inquietava. E papai gritava: está dormindo filho? Me passa o martelo!
E VIERAM VÁRIOS CAMINHÕES COM MUDAS ENXERTADAS DE ÁRVORES FRUTÍFERAS, goiaba, amora, maçã, laranja, pitanga, romã, jabuticaba, meu pai se pôs a formar o pomar. Labutava noite a dentro, canteiros, valetas, estercos, o terreno ia sendo preparado. Perguntei quando comeríamos as frutas, ele respondeu que dentro de alguns anos. Porém, como um relâmpago o tempo passou e vi o pomar florido, lindo.
A CRISE MUNDIAL DE 1929 acabou com os preços do café, papai empobreceu da noite para o dia, ninguém pagava ninguém. O governo federal mandou queimar a produção e os cafezais foram substituídos pelos pastos. Papai começou a tirar leite que também não era um bom negócio. Fazia-se economia em tudo uma luta grande.
CÂNDIDO BERTOLINI ERA GRANDALHÃO, ENÉRGICO E MUITO SÉRIO NOS NEGÓCIOS, não bebia, não fumava, gostava de um bom papo com as pessoas simples. Mamãe, foi uma sonhadora com os sentimentos a flor da pele, objetiva, franca, inteligente e bondosa. Cantava músicas românticas que eu adorava escutar. O Moacir faleceu e fiquei sendo o irmão mais velho, depois vem a Nair, o Jandir, o José, o André, o Luiz e a Neusa, oito filhos, vivos apenas quatro. A minha meninice no Taquari não foi boa, não gostava da roça. De acordar às cinco da manhã, ir buscar as vacas, subir descalço um morro enorme. Naquele frio, meu pé gelava no capim gordura. Eu tocava a vaca e pulava para o lugar dela para me esquentar.
EU ADORAVA LIVROS, REVISTAS, meu pai era claro: nada de leitura, esse negócio de poeta, de escritor é para filho de doutor e você é de fazendeiro, tem que pisar no barro. A única escola que tive foi até o segundo ano na Escola Mista Rural do Pau D’alho. Papai era bom mas pensava que fosse sua posse, eu não admitia e fui conversar com meu tio José Maria Monteiro que tinha uma fazenda vizinha. Sabendo do meu gosto pela poesia, indagou o que achava de Castro Alves: “vai Dalila, é bem longa tua estrada. Suave a descida terminada, em báratro cruel. Hoje flores… a música soando, as perlas do champanhe gotejando. Amanhã a enxada do coveiro que trabalha a revolver-te em pó…” De Alves de Azevedo: “na floresta dos homens esquecida, à sombra de uma cruz escrevam nela, foi poeta, sonhou e amou a vida.” E pensei, como é bom ser poeta. Meu tio disse outra de Fagundes Varela, um mal trapilho, beberrão, maravilhoso. Olavo Bilac, Castro Alves, Gonçalves Dias… Sai da casa com três volumes de poesias alisando as capas, havia descoberto o que desejava.
A MINHA VIDA ERA LER ESCONDIDO DE MEU PAI, tapava os buraquinhos do biombo do meu quarto com pano, acendia uma vela e lia a noite toda. Às cinco da manhã, papai me chamava para tirar leite, ia com uma raiva danada. Pensava na vida que desejava na cidade, ler, carros, mulheres de sapato alto, hotéis, cassinos, música.
TRABALHAVA, TRABALHAVA E NUNCA TINHA DINHEIRO. Tinha 14 para 15 anos, um dia fui até o Zé Samambaia e disse: papai mandou buscar três contos de réis, ele me deu. Pequei o dinheiro e fui para São Paulo, lá arranjei um emprego de almoxarife no Formiga que era amigo de meu pai. Com 20 anos, fui ao Rio de Janeiro onde trabalhei como contato publicitário do Jornal do Brasil e vi as coisas com que sonhara o menino da fazenda: Cassino da Urca com cortinas de veludo, artistas, mulheres lindas. Ia aos cinemas, ao Balé Russo.
COM 23 ANOS VOLTEI PARA CASA EM SÃO JOSÉ JÁ MEIO SOFRIDO e fui trabalhar no armazém do meu pai. Como era o melhor assumi a gerência, os outros irmãos acabaram saindo. Quando papai vendeu a fazenda deu 40 contos para cada um. Para mim ficou o armazém e pensei me casar. Queria uma mulher simples que me entendesse e a encontrei.
VINHA DESCENDO A RUI BARBOSA e vi uma mocinha com um gato preto no colo. Passei no dia seguinte, a vi novamente concentrada, acariciando o animal. Acabei por conversar com ela, gostei da sua simplicidade, chamava-se Benedita Rosa. Disse que queria casar logo, o que ocorreu 4 meses depois, no dia 8 de setembro de 1946. Juntos há 57 anos, tivemos três filhos a Stássula, o Carlos Alberto e o Jefferson Fernando.
NÃO ME DEDIQUEI A LITERATURA, a poesia foi a maneira de dar vazão à minha ânsia de viver. Meu primeiro livro Mundo Submerso é de 1979, 40 anos até a publicação. Passageiro da Vida, foi o segundo, depois escrevi Viajante do Tempo, em 1991. No dizer de Schubert, o homem deve aprender a andar junto às estrelas. Li O Fio de Navalha, Dostoiesviski, muito Machado de Assis, Monteiro Lobato, S. Morgan, Érico Veríssimo, Crony. No livro Viajante do Tempo apresentei a minha verdade.”
Vicissitude
Eu venho de tudo
e vou para o nada.
Levo na vida
os olhos cansados.
Sou o avesso do dia.
Percorri pelo canto
obscuro, escondido.
Rolei pelo mundo,
vaguei pelas ruas,
agora estou doente, exausto, cansado,
doente,
doente,
que importa?
O mundo é uma porta que abre, que gira,
que volta, que fecha.
E eu sinto que o mundo
um dia se acaba
talvez seja agora
ou seja mais tarde.
Às estrelas importa
se um pássaro morre?
Vou indo,
vou indo,
não sei para onde,
se não sei de onde
também venho vindo.
A lua é uma bola de pensamento no céu.
As estrelas não choram o seu pranto de prata,
só brilham de longe.
E o sol, esse queima, devora, maltrata,
até vir a alvorada.
O rio também vai
quem sabe aonde para?
Os ventos são cantos do deus impossível
que clama, que geme, que grita no escuro.
O mar, pobre mar
condenado inocente,
blasfema, blasfema, que adianta?
Joga no alto, perto das nuvens
a sua cólera adúltera,
crivado de ódio ele existe, precisa.
E nós, vamos indo, indo
até um dia cair pela estrada.
E os outros que seguem, coitados,
não sabem de nada.
Nadir Bertolini
(Revista A Cidade 1951)
L E I No. 7657/08
PUBLICADO(A) NO JORNAL BOLETIM DO MUNICÍPIO No. 1867 DE 09 DE OUTUBRO DE 2008
Denomina a área pública existente entre os números 2.911 e 2.951, na Avenida Ouro Fino, no Loteamento Bosque dos Eucaliptos, de Praça NADIR BERTOLINI.
Texto por Ricardo Faria, jornal Vale a Pena, março de 2004 (fariaricardo493@gmail.com)
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Que iniciativa muito boa de divulgar a entrevista do poeta.