Cinquenta anos se passaram desde a primeira edição do Vale Paraibano, impressa em uma máquina alemã Bremensis ao longo de uma semana, página a página, e o jornal que chega hoje à mão dos leitores.
Também era domingo naquele 6 de janeiro de 1952.
Dentro da oficina acanhada, de uma porta, na rua Capitão João Ramos, em Caçapava, o jornalista Francisco Pereira da Silva e o gráfico Rubens Lencioni desenrolaram as mangas das camisas após mais uma noite de sono perdido para olhar sua obra: 500 exemplares de jornal, montado letra a letra durante mais de uma semana.
Francisco, jornalista, professor e policial aposentado, conhecido pelo apelido de Chico Triste, passara os dois últimos anos sonhando com aquele momento. Em minutos, a porta da oficina iria abrir e o sonho de Chico Triste chegaria a seu destino: o leitor.
O legado de Chico Triste, mantido por diversos outros idealistas, chega hoje aos seus 50 anos.
Algumas marcas ele carrega desde o nascimento. A primeira é a ambição regional. Ao invés de Caçapavense, Folha de Caçapava ou Voz de Caçapava, por exemplo, o nome escolhido foi ValeParaibano. Hoje, o jornal circula em todos os municípios do Vale — da região de São José ao Vale Histórico, de Jacareí ao Litoral Norte, de Taubaté à Serra da Mantiqueira. Com sede em São José, possui sucursais nas principais cidades da região.
A segunda, tão importante quanto, está na missão do jornal, tão atual como há 50 anos: a busca da verdade.
“Estreando modesta oficina própria —escreveu Chico Triste no primeiro Editorial do ValeParaibano, batizado de Nossas Notas, saímos hoje à rua em edição inaugural. Nossa humildade só transige com uma espécie de orgulho, que se traduz na ostentação dessa divisa—Verdade.”
A verdade como objetivo final do jornal é o tema da campanha que marca os 50 anos do ValeParaibano, lançada em dezembro. “É tudo verdade”, diz a marca da campanha de aniversário.
REVOLUÇÃO – Escorado na tradição, o ValeParaibano deu, nestas cinco décadas, um salto para o futuro. Ele é hoje um dos principais jornais do interior e líder absoluto de leitura em sua área de atuação, segundo dados do Ibope. De cada 100 leitores de jornal na região, 72 leem o ValeParaibano. É uma liderança inconteste, em todas as classes sociais, por faixa etária, nível de renda e escolaridade.
O ValeParaibano é um jornal moderno, antenado com as revoluções pelas quais a imprensa passa neste início do século 21. Seu jornalismo é ágil, independente, apartidário, de serviços e compromissado apenas com o leitor — disse o editor-chefe, Hélcio Costa.
Da primeira manchete, em 1952, sobre a renovação política em Caçapava, às grandes reformas editoriais que o jornal sofreu nos anos 70 e 90, já sob controle das famílias Salerno e Lovato, o ValeParaibano traz hoje a melhor cobertura de política, economia, cidades, esportes e cultura da região, além das notícias nacionais e internacionais que afetam a vida do leitor.
O ValeParaibano foi, por exemplo, o único jornal do interior do Estado a editar um caderno diário sobre os ataques terroristas aos EUA, que comoveram o mundo.
O ValeParaibano, apesar de sua tradição, não vive do passado. Ele soube mudar, sem perder sua identidade, seu DNA editorial afirma Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo para Editores, representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra.
Com todos esses ingredientes, o jornal faz questão de compartilhar com seus leitores, razão do esforço de sua equipe, uma fatia do bolo de seu cinquentenário.
O idealismo e a paixão de Chico Triste
Folclorista e professor. Um idealista. O alagoano Francisco Pereira da Silva, o Chico Triste, fundador do ValeParaibano, foi um apaixonado pela região, onde se fixou desde a década de 40 e permaneceu até 80, quando morreu, em Caçapava.
Em meados de 40, aparece em jornais literários estudantis e noticiários caçapavenses um cronista chamado Emiliano. Pseudônimo de Chico Triste, ele se apresentava no estilo parnasiano, embora contrariasse a maneira de escrever com toques românticos nas entrelinhas.
Antes de fundar o ValeParaibano, em 52, o cronista Emiliano foi colaborador do jornal “O Povo”, também de Caçapava. Ele escrevia em uma coluna de política que chegou a causar tumultos e gerou muito ciúmes entre os homens públicos de Caçapava.
Casado, mas sem filhos, Francisco Pereira da Silva foi “adotado” como pai por três de seus sobrinhos. Professor para todos, o carinhoso apelido de Chico Triste era para poucos – apenas familiares e seus amigos jornalistas.
Tudo começou em uma gráfica em Caçapava
Madrugada do dia 6 de janeiro de 1952, o jornalista Francisco Pereira da Silva, o Chico Triste, e o gráfico Rubens Lencioni finalizam, letra por letra, a primeira edição de um novo jornal, o ValeParaibano.
Quem passasse pela rua Capitão João Ramos, no centro de Caçapava, no início da década de 1950, e olhasse aquela singela sala ocupada por uma impressora tipográfica, jamais poderia imaginar que ali nasceria o maior jornal do Vale do Paraíba, o ValeParaibano.
Com essas palavras, o gráfico linotipista Rubens Lencioni, 76 anos, conta a história do jornal do qual foi co-fundador e parceiro de Francisco Pereira da Silva, o alagoano Chico Triste, no sonho de criar um jornal.
Madrugada de 6 de janeiro de 1952, Lencioni e Chico Triste passam horas aguardando a impressão de 500 exemplares do primeiro número.
Policial militar aposentado, Chico Triste ficou mais de dois anos escolhendo os assuntos, escrevendo os textos e aguardando o gráfico todas as noites para compor letra por letra a edição daquele domingo.
Nessa época, o jornal era rodado numa impressora alemã da marca Bremensis. “Cada edição demorava uma semana para ser impressa. Eu trabalhava durante o dia numa gráfica e ia à noite montava as páginas para o Chico Triste”, disse Lencioni.
A sociedade Silva & Lencioni durou pouco mais de dois anos. A edição de 1°de agosto de 1954 foi a última impressa por Rubens Lencioni. O gráfico ainda mora em Caçapava e, após toda uma vida dedicada à impressão, está aposentado.
Terminada a parceria, o jornal teve uma breve passagem por Taubaté, onde foi rodado numa impressora japonesa, de propriedade do mecânico de linotipo Cyro Festa, de São Paulo. Em dezembro de 54, Chico Triste volta para São José e logo se desligou do jornal. Testa fica sócio de Edward Simões e Joacyr Beça, equipe responsável pela criação do jornal diário.
SÃO JOSÉ – O primeiro endereço do ValeParaibano em São José foi na praça Almirante Barroso, atual Cândido Dias Castejon. Lá, o jornal ficou por três anos e meio e enfrentou as piores crises econômicas.
O jornalista Jorge Lemes, 67 anos, trabalhou como redator do jornal de 55 a 77. Ele conta que o ValeParaibano era conhecido como um jornal combativo, de oposição. “O jornal tinha muito poder. Quando a gente questionava alguma coisa com o Edward Simões sobre a linha editorial, ele falava que podia escrever sem medo e que, qualquer problema, mandaria o delegado de polícia embora em uma semana”, lembra.
Lemes conta que a partir da compra do jornal pela Rádio Clube, do grupo Bandeirantes, em 58, o ValeParaibano se transforma num jornal “água com açúcar”. “A partir dessa época, começa uma preocupação mais comercial. Até então, brincávamos de escrever matérias sem muito comprometimento com retorno financeiro.”
Os novos diretores, Aniz Mimessi e, mais tarde, o irmão Ivan Mimessi, se preocupavam com o conteúdo das notícias veiculadas. “Exerci a função de revisor por alguns anos. Não estávamos muito preocupados com a forma, tínhamos uma atenção maior com os textos publicados”, afirma Ivan Mimessi, 71 anos.
Anos 50, o Vale muda de cara
A década de 50 marca o início da história contemporânea do Vale do Paraíba.
A partir da chegada de rodovia Presidente Dutra, a região passa por um processo de industrialização e urbanização, modificando totalmente a economia agrícola, até então destaque nos municípios.
O ValeParaibano é fundado neste momento de transição da economia regional. Nos anos 50, São José recebe o CTA (Centro Técnico Aeroespacial) e as primeiras multinacionais começam a se instalar às margens da via Dutra, como a General Motors, a Johnson e a Rodhia.
As primeiras instituições universitárias também datam deste período. Segundo o historiador José Luiz Pasin, a Faculdade de Ciências e Letras de Lorena, por exemplo, completa seu cinquentenário no mesmo ano do jornal.
“Na virada de 50 para 60, o Vale do Paraíba se encontra num outro momento político, econômico e social. O processo de migração das pequenas cidades para os maiores centros ocasiona a perda demográfica da zona rural. As cidades do Fundo do Vale são exemplos desse êxodo.”
REFORMA REVELA NOVO JORNALISMO REGIONAL
Mesmo tendo um nome que indica abrangência regional, o ValeParaibano só coloca plenamente em prática a proposta editorial de englobar cidades do Vale, Serra da Mantiqueira e Litoral Norte a partir de 77, data da mudança mais marcante em sua história. A partir desse ano a circulação e a cobertura jornalística se tornam realmente regionais. Antes disso, o jornal circulava preferencialmente em São José dos Campos.
A mudança foi marcada pela compra de uma máquina de impressão off-set. O jornal deixava de ser do grupo Bandeirantes de Televisão e passava para os empresários Ferdinando Salerno e Aquilino Lovato. Foi montada então uma equipe de jornalistas para implantar um projeto editorial novo.
A sede seria São José, mas o jornal instalaria sucursais e teria correspondentes.
Nessa época foi criada a logomarca que é usada pelo jornal até hoje. A mudança editorial teve a supervisão do jornalista Cláudio Abramo, responsável pela reformulação dos jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo” nos anos 60 e 70.
A mudança foi essencial para a sobrevivência do jornal e para a criação da identidade e de um modelo que prevalece até hoje. “Nosso principal objetivo era realmente colocar em prática essa proposta regional. Passamos a ter jornalistas em quase todas as cidades do Vale, mesmo as pequenas, como Areias e Bananal, por exemplo. Começamos a destacar municípios e temas até então pouco divulgados”, afirma o jornalista João Maroun Bouéri Neto, editor-chefe do ValeParaibano entre 77 e 83.
A figura do correspondente foi fundamental para consolidar a cara regional no final dos anos 70 e início dos 80. “Tivemos oportunidade de viver um pouco do jornalismo romântico, das grandes reportagens e da presença do repórter nas próprias matérias. Tínhamos liberdade para trabalhar com temas fora do cotidiano do noticiário”, conta Camões Filho, correspondente por sete anos em Taubaté.
POLÍTICA – O jornal também se consolidou como espaço para discussões e reflexões de temas regionais e nacionais do período em que o país vivia a abertura política. “A discussão política era muito mais inflamada, pois fizemos parte de uma geração que estava começando a tratar de assuntos desse tipo com liberdade pela primeira vez”, conta Bouéri. O jornalismo esportivo também ganhou destaque, já que os três maiores times de futebol da região: São José, Taubaté e Esportiva de Guaratinguetá disputavam a 2a divisão do Paulistão.
MEIO AMBIENTE – Com uma linha editorial consolidada, os anos 80 foram marcados pelo surgimento de cadernos especiais que abordavam temas de interesse comum do Vale, como a despoluição do rio Paraíba, uma das principais bandeiras do jornal até hoje.
Ainda no início dos anos 80, outra proposta defendida pelo jornal ganha destaque no cenário político da região: o voto regional para deputados. O ValeParaibano incentivou o voto em candidatos da região como forma de buscar benefícios para o Vale e aumentar sua representatividade na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados.
“Promovemos na época uma campanha transparente para que a população do Vale votasse em candidatos da região, e chegamos a ter sete deputados estaduais e federais do Vale. O próprio Geraldo Alckmin (PSDB, governador do Estado) teve grande apoio e, com isso, sua saída de Pindamonhangaba pode ter sido mais rápida”, afirma Bouéri Neto.
Já nos anos 90, o engajamento do jornal nos temas de maior preocupação da comunidade levou o ValeParaibano a lançar várias campanhas, entre elas a que debateu a segurança e as estratégias de combate à violência na região. A campanha resultou no caderno especial “O Vale contra a Violência”, projeto premiado pela Câmara de São José.
ABERTURA DOS ANOS 80 DÁ NOVO FÔLEGO AO NOTICIÁRIO
A década de 80 foi marcada pela efervescência do cenário político no Vale do Paraíba. A distensão da ditadura militar, com o processo de abertura política, a partir de 78, e a campanha das “Diretas Já”, em 84, devolveram ao brasileiro a liberdade de expressão política depois de um longo período de censura oficial.
O Vale Paraibano refletia o processo de abertura. Se transformou em palco para discussões ideológicas das mais diversas e vivenciou a reformulação do jornalismo diário.
Com a reforma editorial, que começou a ser colocada em prática em 77, a partir da regionalização, o jornal se colocou em uma posição singular no Vale, pois nunca um veículo impresso tinha alcançado tamanha abrangência na região.
Nesse período, cadernos especiais surgiram, como o “Revista VP”, suplemento com matérias mais aprofundadas e temas específicos, um encarte infantil, o “Vale Criança”, além de publicações especiais para datas ou eventos marcantes da região.
AMADURECIMENTO – A década de 80 também foi o período de implantação e amadurecimento do projeto editorial do Vale Paraibano voltado para a penetração regional. O processo de expansão incluiu experiências como a edição de uma capa com destaques noticiosos de Taubaté, Fundo do Vale e Ubatuba que circulava fora do eixo São José-Jacareí-Caraguá.
O sistema teria como objetivo vencer a resistência de alguns moradores da região em assimilar o noticiário de São José dos Campos, cidade sede do jornal. A variedade de propostas dentro do Vale Paraibano marcou a edição do jornal durante toda a década.
“A década de 80 foi uma época muito rica sob o ponto de vista editorial. Cadernos surgiram e matérias diversas foram publicadas. A partir da metade da década, o Vale do Paraíba também sofreu um novo impulso no desenvolvimento e na modernização dos serviços oferecidos e o Vale Paraibano não se exclui de todo esse processo”, afirma Nélson Homem de Mello, que foi editor-chefe do jornal entre 86 e 94.
GREVES – A cobertura das greves, um dos principais focos de agitação política no período, ocupou significativo espaço do noticiário, como no caso da invasão da fábrica da GM em São José, em 85.
Segundo o historiador Fábio Ricci, professor da Unitau (Universidade de Taubaté), o movimento grevista do Vale do Paraíba teve características diferentes do ocorrido na região do Grande ABC.
“O quadro social que se encontrava na região era bastante diverso para se manter uma contraposição forte entre empregados e as empresas. A população da região se sente mais integrada com as empresas que trabalham, e isso é um forte elemento que inibe a oposição política”, afirma.
Segundo Ricci, o ValeParaibano manteve uma posição “conservadora” ao tratar as greves, mesmo sem sofrer nenhum tipo de censura ou interferência política externa em sua linha editorial.
“Acredito que até por falta de maturidade e tato com a abertura de toda a imprensa, o ValeParaibano, como a maioria dos jornais da época, manteve uma posição conservadora. Hoje, num outro contexto, o ValeParaibano e outros jornais lidam melhor com o assunto, de forma mais aberta. Hoje, o jornal assume uma outra função de grande importância, a de pensar a inserção da região no processo de globalização”.
Matéria veiculada no jornal ValeParaibano, domingo, 6 de janeiro de 2002.
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Faltou dizer que os últimos diretores do Jornal ValeParaibano, deixou seus funcionários a míngua, sem pagar seus direitos trabalhista, onde até hoje lutam na justiça para receber seus direitos e seus diretores não dão a mínima importância, dilapidaram seus patrimônios justamente para não terem bens a ser penhorados para o pagamento dos direitos trabalhista. Insira esses dados nessa reportagem, ou melhor, faça uma entrevista com algum desses funcionários.