Os idos de 1964 em São José

1° de Abril de 1964. O Oficial de Dia do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), Capitão João Carlos Gomes de Oliveira, recebe mensagem cifrada sobre a deflagração do golpe civil-militar que deporia o Presidente da República, João Goulart. Insistiu com o Major Álvaro Brandão Soares Dutra (Brig. do Ar Ref.), ajudante de ordens do saudoso Marechal do Ar Casemiro Montenegro Filho, Diretor Geral do CTA, para saber o que dizia a mensagem. O Cap. João Carlos Gomes de Oliveira acabou sendo o protagonista principal do episódio mais relevante de resistência ao golpe de 1964, ocorrido na cidade. São José dos Campos amanhecia com a notícia de que o Governador Magalhães Pinto, de Minas Gerais, declarara o Estado como território livre e as tropas do General Olímpio Mourão Filho se dirigiam para o Rio de Janeiro. Na noite anterior participei como secretário da Associação dos Servidores Públicos da cidade, em São Paulo, da segunda reunião que trataria da criação da Confederação Nacional dos Servidores Públicos. A primeira acontecera dias antes, justamente quando ocorreu a Marcha da Família com Deus pela Liberdade em oposição ao Comício da Central do Brasil no Rio. Desta feita, a notícia do início do golpe civil-militar desfez a reunião e todos voltamos pra casa em meio a muita chuva e aos primeiros veículos do II Exército cruzando as ruas da capital paulista.

O clima político na cidade, como no restante do País, havia se acirrado nas últimas semanas. Uma banca de jornais, mantida por organizações de esquerda na Praça da Matriz, foi incendiada e suspeitava-se de ação dos direitistas. Um ato público de protesto ocorreu no local, com a participação de lideranças políticas municipais e estaduais e o Prefeito José Marcondes Pereira, o primeiro prefeito socialista eleito no interior de São Paulo, condenou o atentado contra a “Banca Nacionalista”. Na Câmara, os vereadores divergiam sobre o episódio. Apesar de tudo, acreditava-se que a crise política seria resolvida pelas vias democráticas.

Na manhã do dia 1° de abril cheguei para trabalhar no Departamento de Relações Públicas do CTA e fui surpreendido com a informação de meu chefe, Carlos Eurico de Breynne Montenegro, de que devia me apresentar ao Coronel Paulo Delvaux, na direção do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD). Antes de me apresentar assisti o presidente do CASD (Centro Acadêmico Santos Dumont), o iteano Luiz Oscar de Mello Becker, sair visivelmente nervoso e esbravejando da direção geral do CTA. Bateu a porta do fusca e saiu cantando os pneus. Pensei: Começaram as perseguições aos alunos do ITA.

No IPD, fui recebido com hospitalidade pelo Cel. Paulo Delvaux, mas estava sob as ordens do Oficial de Informação (SI). Na lanchonete ouvi um capitão clamando contra os golpistas, em meio ao silêncio dos presentes. Cheguei a pensar que se tratasse de algum provocador. Depois dos acontecimentos de 1964 é que fiquei sabendo que se tratava do Cap. João Carlos Gomes de Oliveira que, no dia seguinte, reuniu alguns tripulantes e decolou com uma aeronave Beechcraft do CTA rumo a Porto Alegre, onde havia resistência ao golpe de Estado.

O episódio desta decolagem ainda está para ser contado. Algumas informações colocam o Capitão Sérgio Xavier Ferolla (Ten.Brig.do Ar Ref.) na cena. Ele contesta. Diz que era apenas aluno do ITA e que estudava demais para ter tempo de estar no aeroporto do CTA e participar da tentativa de evitar a decolagem da aeronave. O Maj. Brig. do Ar Ref. Hugo de Oliveira Piva (na época Major), no entanto, confirma que chegou a entrar com uma perua Kombi na pista para tentar impedir a decolagem do Beechcraft. Consta, ainda, que alguns oficiais do IPD mesmo contrários ao golpe, tentaram convencer o Cap. João Carlos Gomes de Oliveira a desistir de sua decisão. O certo é que até disparos foram feitos contra o avião, que decolou rumo ao Rio Grande do Sul.

Ao descer no aeroporto porto-alegrense, no entanto, os golpistas já haviam tomado conta da situação e os tripulantes do avião do CTA foram presos. Jango Goulart havia deixado o território nacional, depois que o seu cargo foi declarado vago pelo Congresso Nacional. Da tripulação do avião do CTA participaram o Capitão Nerval Monstan da Costa e o 1° Sargento Nélio Neves, mas o Cap. João Carlos Gomes de Oliveira assumiu toda a responsabilidade pelo ato de resistência. O Cap. Nerval e o 1° Sgto. Nélio Neves foram reformados. Já o Cap. João Carlos foi expulso da FAB e depois anistiado em 1980. O Capitão João Carlos Gomes de Oliveira, reformado no posto de Coronel, veio a falecer, anos depois, num acidente de caça submarina. (2005)
Luiz Paulo Costa – Jornalista

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