Tecelagem Parahyba (1994)

A antiga Tecelagem Parahyba passa por um processo de recuperação financeira que prevê, entre outras medidas, a redução das instalações industriais a 30% da área construída da empresa; na página ao lado, a nova linha de produção, esperança da empresa.

Nas mãos salvadoras dos empregados

Uma fábrica administrada pelos próprios empregados. Esta é a nova realidade que a Fábrica de Cobertores Parahyba Ltda. está vivenciando desde março de 1994, depois de enfrentar sua última grande crise, em 93, quando, sufocada por uma dívida de US$ 50 milhões com impostos e US$ 5,5 milhões com salários e indenizações, paralisou suas atividades.

Os empregados voltam com a mesma força que demonstraram em 84, quando a antiga Tecelagem Parahyba entrou em concordata e assumiram o comando do negócio, devolvendo a empresa aos antigos donos com a folha de pagamento rigorosamente em dia.

Agora, decididos a preservar seus empregos, os funcionários criaram uma associação, contrataram um profissional para presidir a empresa e mergulharam numa aventura que começa a dar sinais de que nem tudo está perdido naquela que é uma das mais tradicionais indústrias de São José dos Campos e do país que, durante muitos anos punha suas crianças para dormir ao som do conhecido jingle: “Já é hora de dormir, não espere mamãe mandar”.

Os primeiros sinais positivos surgiram no inverno passado, quando a Parahyba pode fechar um faturamento de US$ 1 milhão/mês em média, com a venda de 40 a 60 mil peças mensais. Quando foi reaberta, em março, a produção da fábrica era de 30 mil peças por mês, em maio o volume aumentou para 45 mil e só subiu em junho e julho.

O faturamento da empresa dobrou entre março e maio. No primeiro mês, com o resto da

matéria-prima em estoque, os funcionários puseram as máquinas para funcionar e faturaram US$ 400 mil. Em abril o faturamento quase dobrou e foi para US$ 600 mil. Em maio fechou em US$ 800 mil e sua participação no mercado nacional está na marca dos 25%, longe mas caminhando para tentar chegar nos 70% que detinha.

Passado o inverno, a partir de agosto, a Parahyba quer manter os mesmos índices no mercado interno e ampliar as vendas externas, principalmente para a Argentina, país com quem a empresa já fechou um contrato para exportação de 10 mil cobertores no valor de US$ 190 mil. Para novembro está previsto o lançamento da coleção inverno 95 desenhada pelo estilista francês Pierre Cardin.

Mas, para que tudo dê certo, a Parahyba precisa de um empréstimo de US$ 6,5 milhões que ainda está sendo analisado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O empréstimo é necessário para viabilizar o projeto de engenharia financeira montado para reativar a empresa.

Uma história de pioneirismo

Tecelagem Parahyba S.A. foi fundada em 14 de março de 1925 por um grupo de empresários brasileiros e portugueses com o objetivo de fabricar tecidos de algodão.

A primeira unidade da fábrica, de seis mil m2 foi construída no terreno de pouco mais de seis alqueires, medindo 600 m de frente por 250 m de fundo, foi inaugurada em julho de 1927. Chegou a ter uma produção mensal de 60 mil cobertores e 350 mil metros de brim.

Em 1929, a crise mundial quase fez com que a empresa fosse fechada. Mas Olivo Gomes, de Niterói, que havia sido contratado como gerente da fábrica se entusiasmou com o negócio e decidiu investir e diversificar sua produção, introduzindo a partir de 1930, modificações no maquinário para que se pudesse fabricar cobertores. Comprou as ações da empresa, com mais dois sócios, e em 1943, a Tecelagem Parahyba alcançou a taxa de produção anual de quatro milhões de cobertores. Nos anos 60, a Parahyba iniciou a fabricação de produtos de lã e de fibras sintéticas, como a acrilan. Paralelamente, continuava com a fabricação dos cobertores de resíduos de algodão e mistos. Entre 53 e 56, a área da fábrica foi ampliada e passou a ter 60 mil m2 de área construída.

Em 67, a Parahyba lançou no mercado brasileiro os cobertores e mantas sintéticos, feitos com fibras acrílicas, deixando de produzir o cobertor de resíduos de algodão. Em 74, foi a vez de se lançar os cobertores e mantas peluciados “hi-pile”, que se tornaram um dos principais itens de sua fabricação. Na década de 70, a Parahyba exportou para diversos países e atendia uma exigente clientela, como as das lojas americanas Bloomindale’s, Macy’s, Sak’s e diversos magazines franceses. Em 76, a Parahyba introduziu no mercado interno e externo as colchas Rib Cord, que não eram tecidas e sim agulhadas.

Um plano de engenharia financeira para salvar a empresa

Em julho de 1993, as dificuldades enfrentadas pela antiga Tecelagem Parahyba pareciam insuperáveis. O representante dos herdeiros do ex-senador Severo Gomes, o banqueiro Henry Phillipe Reischstul havia contratado uma consultoria para avaliar a situação da empresa e as conclusões apontavam para sua inviabilidade. As dívidas superavam a capacidade de receita e a solução mais indicada era fechar a indústria.

O plano de viabilização foi feito por um consultor especializado em recuperar empresas em crise, Vladimir Rioli, da Pluricorp. Ele se inspirou no modelo de gestão de empresas como a General Motors e a IBM, além da Fábrica de Calçados Makerli, uma indústria de Franca, no interior do estado, que também passou por uma grande crise, em 92 voltou a funcionar sob a direção de 150 empregados e já inaugurou uma nova fábrica em Barreiras. O plano começou a ser implantado com a constituição da Associação dos Empregados da Parahyba, que por sua vez constituiu outra sociedade, a Fábrica de Cobertores Parahyba, com o objetivo de dar continuidade aos negócios da antiga indústria. Foi contratado um profissional para presidir a empresa, o engenheiro civil com pós-graduação em administração de empresas, Roberto Zullino, que com o gerente industrial, Cidevaldo Zacarias, são os dois únicos empregados da fábrica que não pertencem ao time dos sócios.

Os diretores José Wilson Jaccoud, Tertuliano Silva e Roberto Zullino, em frente à área de 22 mil metros quadrados ocupada pela “nova” tecelagem.

Além de Zullino, comandam a nova empresa, Tertuliano Silva, diretor financeiro e José Wilson Jaccoud, diretor administrativo.

Em seguida foi solicitado um empréstimo de US$ 6,5 milhões ao BNDES para que o projeto de engenharia financeira pudesse se desenvolver. O empréstimo será destinado à compra dos equipamentos da Tecelagem Parahyba, que com este dinheiro pagará o débito trabalhista estimado em US$ 5 milhões diretamente aos funcionários da nova Parahyba. A família Gomes cedeu em comodato a fábrica por cinco anos e os direitos de uso da marca Parahyba, além de assumir o compromisso de liquidar as dívidas de sua responsabilidade, designando bens para garantir seu pagamento.

A loja de cobertores no interior da fábrica: opções, lançamentos e preços baixos para reforçar as vendas.

Ainda segundo o plano, os empregados vão investir na empresa 80% do total que receberem para formar um capital de giro e dar a liquidez necessária para a continuidade das atividades da fábrica. Na prática, o dinheiro do BNDES ficará na própria indústria. A previsão de pagamento ao banco é de oito anos. O plano também prevê uma redução da área da fábrica dos atuais 60 mil m2 para 22 mil m2.

Os tesouros da antiga tecelagem

Um rápido passeio pelas antigas instalações da Tecelagem Parahyba mostra a importância que esta indústria teve no desenvolvimento de São José dos Campos. Não é só a grandiosidade de seus 60 mil m2 de área construída que surpreendem. Ela guarda alguns tesouros que a comunidade não pode esquecer.

Vista de parte da fazenda da família Gomes, com a estrada margeada por
palmeiras imperiais.

O maior deles talvez seja um painel de 16 x 6 m projetado pelo paisagista Burle Marx, amigo da família Gomes, construído em 1960 com azulejos da Cerâmica Alabarda. A obra forma uma das paredes de um galpão de máquinas com 5.593 m2, feito para abrigar uma feira agropecuária.

No outro extremo da área da tecelagem, a Usina de Leite Paraíba, construída no início da década de 60 e desativada em 84, guarda, além de vestígios de um belo jardim assinado pelo paisagista, outro painel em azulejos, sem assinatura, mas provavelmente de autoria de Burle Marx. A própria usina e a casa de Olivo Gomes a beira de um lago, projetos do arquiteto Rino Levi, formam um patrimônio importante para a história de São José dos Campos e da arquitetura brasileira.

A Usina de Leite Parahyba, projeto do arquiteto Rino Levi, desativada em 1984.

Foi Rino Levi também quem projetou o salão de mil m2 totalmente em madeira, com piso rústico, que abrigou a loja de auto- serviço criada pela Cooperativa de Consumo dos Empregados da Tecelagem Parahyba S.A. em janeiro de 1953, uma pioneira no setor que vendia de gêneros alimentícios em geral a móveis e confecções feitas pela Clipper exclusivamente para funcionários da Parahyba, cujos gastos eram descontados na folha de pagamento. Nesta loja, a carne e o café eram fornecidos por matadouro particular e torrefação própria e foram introduzidos os primeiros carrinhos de supermercado.

Antiga bomba de gasolina usada para abastecer veículos da empresa, atrás o painel de azulejos assinado pelo paisagista Burle Marx.

Outro marco da Tecelagem Parahyba foi a criação da ITM (Indústria de Trabalhos Manuais), uma espécie de atelier, onde eram manufaturados mantas, cobertores, tecidos e tapetes especiais, de alta qualidade e com desenhos exclusivos.

Para São José dos Campos foi de muita importância também o grupo escolar que chegou a ter 700 alunos instalados em um prédio de dois mil m2, com nove salas de aula, cozinha, consultório dentário, auditório, biblioteca e área de treinamento para mão de obra.
São José dos Campos, o Comércio e o Desenvolvimento, 1994

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