Todos o conheciam. A criançada, ao vê-lo passar na Biriba, égua velha trotona, prorrompia aos gritos: – Chico Mentira! Oi, Chico Mentira! Ele ria, mostrando a dentadura amarela e falha, os olhos irradiando bondade. Ameaçava, às vezes, com a guasca, mas era incapaz de ofender uma formiga que fosse. Camarada bom estava ali. Mas mentiroso como adivinharam pelo próprio nome.
Não era apenas um inventor de potócas. Tinha um certo espirito o que contava. Exagerava que não era brinquedo. Mas punha em tudo um sabor de sadio humorismo. Por isso não havia naquelas redondezas quem não estimasse o Chico Mentira. Suas piadas eram assunto de conversas nas vendas de beira de estrada, como nos salões dos clubes de Areial.
Pois foi justamente numa tarde ensolarada, quando a caboclada fazia ponto na vendinha do Prata, que se falava no famoso agregado do Manecão. Citavam-se suas últimas criações, entre gargalhadas estrepitosas, ninguém supondo que Chico vinha pela estrada, confirmando o ditado de que quando se fala no diabo aparece-lhe o rabo…
– Vejam só quem vem lá!
Chico vinha a galope, o que era novidade. E passava de bandeira branca, sem nem salvar lá afobado, a caminho da cidade. Mas quem o deixaria seguir sem uma palavrinha? E os berros fizeram que voltasse, achegasse um minuto.
Aproximou-se desconfiado, contrafeito. Quis saber o porque da azoada.
– Chamamos você, pra ouvir uma das suas…
Chico Mentira fuzilou. Onde se viu chamar um homem pra pedir mentira E assim, justamente numa hora daquelas, quando ia a toda brida para a cidade, chamar o doutor! Ora, era o cúmulo!
Um silencio caiu sobre a turma. O Prata veio à porta, e, ao escutar a palavra doutor ficou branco. Seria caso grave?
– Pois então não sabem? Seu Manecão tá que tá malíssimo. Vou indo buscar o dr. Azevedo…
Mais detalhes impossível! O coronel acabara de almoçar, sentiu tonturas, caiu de borco… Um desastre…
Chico partiu a galope. Sumiu nume nuvem de pó. E os da vendinha demoraram-se a imaginar o que seria do fazendeiro. Uns pensavam em gestão, outros supunham tratar-se de intoxicação.
Haviam até os que acreditavam em coisa feita, mandinga braba.
O Prata achou que era bobagem estarem ali fazendo conjeturas. O melhor era tocar para a fazenda, e foi o que fizeram, cada qual montando seu animal, comentando, em voz alta a doença do Manecão homem forte como jequitibá, que nunca tivera dor de cabeça ou resfriado, corpo fechado pra tudo quanto fosse enfermidade.
E nessa conversa chegaram à porteira, que rangeu agoniada. Aproximaram-se, silenciosos, os próprios animais parecendo compreender a gravidade do momento.
– Que é que houve, pessoal?
Susto. Surpresa. A voz era do Manecão, e vinha do mangueiro, onde o coronel se apresentava, rindo, mais sadio que um potro, vendendo energia e robustez.
O Prata procurou consertar a situação.
– Soubemos que o compadre recebeu um lote novo de holandesas, viemos ver.
De fato, Manecão exibia, poucos minutos depois, os seus exemplares de novilhas, lustrosas e gordas que davam gosto. E em seguida, depois de uma vista de olhos pela lavoura, fez servir um leitão com farofa, pamonha e curau, agradecido daquela visita inesperada, mas desconfiado de alguma coisa.
E até sanfona gemeu de noite, e a moçada rodopiou no terreiro, e batata assada na fogueira, com milho verde, fez as delicias do pessoal.
Foi quando chegou o Chico, meio as ocultas, assuntando,
O Prata levou-o para um canto e passou-lhe um sabão.
– Onde se viu uma coisa dessas, seu Chico? Dar um susto desses na gente. Olha que deixei a Tudinha com palpitações, quase morreu do golpe, que você sabe, todos estimam o Manecão. Como é que você foi fazer isso com a gente?
Chico coçou a barbicha, cuspiu pro canto, riu fininho.
– Uai, mecês não queria uma mentira?
O outro fez que sim.
– Pra morde que foi a única que eu arranjei – tava com pressa, uai…
Conto por Altino Bondesan (Revista A Cidade, 1951)
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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente