Vista Verde: do sonho americano à realidade urbana brasileira

O texto abaixo é uma recordação do professor de história e geografia Vinícius Beire, e a publicação é ilustrada por diversas imagens que remetem aos períodos citados. Vinícius é o novo colaborador do São José dos Campos Antigamente.

Meus pais chegaram à São José dos Campos em 1978, recém casados, procurando a qualidade de vida que o interior de São Paulo oferecia. Os dois eram funcionários do Banco do Brasil, e não hesitaram em pedir transferência. Mal conheciam a cidade, e logo se apaixonaram. Moraram primeiro na Vila Adyanna, num dos novos edifícios construídos na região, mas decidiram financiar uma casa própria. Foi quando a Vista Verde apareceu na vida da família.

São José era uma cidade relativamente tranquila no final dos anos 1970, mesmo no subúrbio. Um novo bairro foi criado entre a futura Refinaria Henrique Lage (REVAP) e a Rodovia Presidente Dutra, planejado de uma forma distinta. A empresa IBECASA, ligada ao Grupo Rockefeller, organizou o loteamento, baseado nos bairros norte-americanos: áreas verdes, sem muros e grades.

Residência de Silvio Russomanno em 1977

Os dois se mudaram para a Vista Verde em setembro de 1980, e eu nasci dois meses depois. Era uma casa simples, com jardim na frente e um quintal gramado. Nem todos respeitavam seu urbanismo, e muros já eram erguidos na vizinhança. Meus pais ainda insistiram, mas logo também construíram os nossos. 

Apesar da vida tranquila daquela época, já existiam ladrões de residência por lá, como também de veículos. Roubaram nosso toca-fitas, levando junto uma fita cassete, com gravações em que eu cantava músicas infantis. Grande perda.

O clima da cidade era mais frio há quarenta anos. Como ainda era uma região livre das ilhas de calor, a temperatura era ainda mais baixa no inverno. A grama amanhecia com gelo, assim como o parabrisa do fusquinha. Oriundos do Rio de Janeiro e Brasília, os dois passaram muito frio. Em diversas fotos de bebê, estou usando gorros e muitas mantas.

Logo minha bisavó foi morar conosco e se encantou com o terreno. Sufocada pela selva de pedra que já havia se tornado o Rio de Janeiro, fez questão de voltar no tempo, criando galinhas no quintal. Rejuvenesceu, mas quando voltou a morar em Brasília, não demorou muito a falecer.

Arquivo Público do Município

Lembro-me pouco do visual mais norte-americano, porque rapidamente os muros e grades já haviam se espalhado. Mesmo assim, recordo-me bem das diversas áreas verdes, das passarelas nos meios dos quarteirões, e das ruas que não eram de asfalto, e sim de concreto, como nos residenciais dos Estados Unidos. 

Os nomes das ruas eram bem curiosos, todas com referência aos países e cidades do continente americano. Rua Argentina, rua México, com exceção da rua Santa Fé, que era o nome da fazenda que existia antes do loteamento. Era a rua do centro comercial, que dobrava numa ladeira e chegava à sede da SAVIVER (Sociedade dos Amigos de Bairro da Sociedade Vista Verde) e ao pequeno clube do bairro.

Morávamos nessa rua, próximos à estação de tratamento de esgoto, que ficava atrás do clube. Havia um gramado na frente, onde se jogava bola. Certamente andei por todas as ruas daquele bairro de bicicleta, e adorava pegar velocidade na ladeira da Rua Estados Unidos.

Meus pais fizeram uma reforma grande na casa. A garagem virou uma extensão da sala, a cozinha uma sala de jantar, e a área de serviço e o quartinho de empregada uma cozinha espaçosa. Uma edícula foi construída, para onde a área de serviço foi deslocada. Capricharam no jardim, onde tínhamos um pé de romã. Antes da reforma, chegamos a ter um limoeiro e uma amoreira, que era um convite para a molecada da rua subir no muro para comer.

Arquivo Cidade Vista Verde

Meu pai se enfurecia, e uma vez os molhou com a mangueira. Quando um adulto fez o mesmo, e meu pai ameaçou atirar, minha mãe preferiu derrubar a árvore. Ele só ficou mais bravo quando estouraram nossa caixinha correio com uma bomba batom, quando o Brasil perdeu para a França na copa de 1986. Era uma caixinha bonitinha, em formato de casinha. Lembro-me que não podia rir, mas ela toda torta caída no chão formava uma cena engraçada. Por incrível que pareça, a casinha foi restaurada.

Infelizmente a qualidade de vida da região foi caindo nos anos seguintes, fruto do crescimento desordenado da periferia, do qual São José dos Campos também foi vítima, e das crises econômicas que afetaram o país e a cidade. Várias demissões ocorreram no início dos anos 1990, o que afetou o poder aquisitivo de muitos.

Foto de Edson Santos

Logo o bairro começou a ficar mais degradado, e também mais perigoso. Casos de assalto à mão armada, furtos nas casas e problemas viários aumentaram. A Vista Verde sempre foi muito dependente do acesso à rodovia, numa época em que os acidentes eram bem mais frequentes. Diversos outros bairros da região cresceram, congestionando o trânsito ao redor, principalmente a avenida Pedro Friggi, principal artéria daquela região.

O bairro mudou muito. Quando volto para lá, percebo muita mudança. Por mais que ainda existam áreas verdes, a paisagem local é mais acinzentada e bruta, diferente das casas anteriores, com jardim na frente e muro baixo, que via quando criança. Mesmo assim, notei que melhorias ocorreram, em comparação com o final dos anos 1990, resultado direto dos trabalhos que a sociedade de moradores conseguiu realizar. Mas, infelizmente, eles não são capazes de corrigir todos os problemas de um grande bairro. A realidade de um lugar se transforma em meio ao caos urbano. 

Mudamos da Vista Verde em 1993. Eu e o meu irmão mais novo já estudávamos na região central, e durante muito tempo pegávamos o ônibus escolar colorido do Faxa, motorista muito conhecido no bairro. Ficar mais perto da escola seria uma boa opção, por não demorar mais tanto tempo no trânsito.

Ailton Faxa, o condutor de seu ainda lembrado ônibus escolar colorido.


Ônibus do Faxa

 Meus pais chegaram a trabalhar no Banco do Brasil da Refinaria da Petrobrás, perto da Vista Verde, mas já haviam retornado às agências do centro. Sendo assim, a casa foi vendida, e nos mudamos para Avenida São João, para depois voltarmos à mesma rua onde meus pais moravam antes de eu nascer, a Teopompo de Vasconcelos.

Igreja do Vista Verde na década de 1980. Foto de Samira Sanya Machado.

Av. Pedro Friggi, em agosto de 1987, no trecho em frente a UBS do Vista Verde, próximo da Padaria Flamboyant. Foto de Elias Sampa.

Parece mentira, mas onde hoje é a Petrobras um dia foi um lago! Vista Verde início dos anos 70. Foto de Mario Galvão.

3.200 casas idealizadas para serem construídas pela Ibecasa na Vista Verde,para 16.000 pessoas. Um bairro planejado com toda infra-esttutura.Arquivo de Antônio Vasconcelos.

Já adolescente, gostei da ideia de morar mais próximo do agito do centro da cidade, mas ainda sentia saudade da casa da infância. Casa esta que não existe mais. O primeiro comprador vendeu para outro, que radicalizou na reforma. Acabou com o belo jardim, derrubou as grades verdes escuras, cobriu a frente com telhado de amianto, e colocou grades novas com formato retangular, que hoje lhe dão um aspecto de cela de presídio. Diversas outras casas hoje já estão assim, descaracterizando completamente a paisagem de outrora. Não é o mesmo bairro.

No entanto, a Vista Verde da minha infância ainda mora em mim, com suas ruas que ensinavam geografia, casas sem muros e grades, e muitas crianças brincando na calçada. A maturidade acinzenta nossos horizontes, as cores se perdem, mas nossas lembranças continuam coloridas. No meu caso elas são verdes…

Por Vinícius Beire

Anos 70 e 80 o auge do “Vista Verde Clube”. Com fazia pra ser sócio? Era só ser morador do bairro… Foto de Mario Galvão.

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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente

3 thoughts on “Vista Verde: do sonho americano à realidade urbana brasileira

  1. show não sei como mais a foto da av pedro friggi e do meu Pai Luis Carlos com o meu irmão Douglas moravamos na rua dos lirios 529 entre os anos de 1986 a 1999

  2. Que legal! Morei neste bairro e marcou minha infância! Brincando na rua sempre com muitas crianças!

    O motorista Faixa é meu tio avô!

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